São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Terror muda a pauta do telejornalismo americano

RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL

Menos dietas e famosos. Mais geopolítica e bioterrorismo. De acordo com estudo recém-divulgado nos EUA, os atentados de 11 de setembro e seus desdobramentos provocaram mudança radical no cardápio de notícias oferecido ao telespectador.
Ainda que a inversão de prioridades fosse esperada, impressionam os números apurados pelo PEJ (Projeto de Excelência em Jornalismo), centro ligado à Universidade Columbia que já analisou coberturas como as do caso Monica Lewinsky e das eleições norte-americanas de 2000.
A pesquisa comparou duas semanas de junho e duas de outubro de programas jornalísticos das redes ABC, CBS e NBC.
Antes dos ataques, temas de comportamento, celebridades e crimes somavam mais de um terço do tempo dos telejornais nacionais noturnos. A participação do último item vinha aumentando, em contraste com o recuo nas taxas de violência do país.
As três rubricas despencaram na pauta de outubro. Reportagens sobre ginástica, emagrecimento, estilo de vida e assuntos afins caíram de 19,7% para 1%. Os 4,7% antes devotados às celebridades viraram quase nada. Crimes recuaram de 11,7% para 3,5%.
Em compensação, o tempo dedicado ao que se chama de "hard news" cresceu 67%. Em junho, matérias sobre governo, militares, questões nacionais e política internacional não chegavam a ocupar metade dos telejornais noturnos. No segundo período analisado, saltaram para 80,2%.
Em seu relatório, os responsáveis pelo estudo observam que a nova composição "lembra muito mais o jornalismo dos anos 70 do que o modelo consolidado ao longo da década passada".
A mudança foi ainda mais gritante nos programas matutinos, em que os assuntos ditos sérios estavam perto de desaparecer.
"Good Morning America" (ABC), "Early Show" (CBS) e "Today" (NBC) são, em boa medida, veículos para promover a venda de utilidades domésticas, remédios, livros e vídeos.
A pesquisa mostra clara preferência de cada uma das redes por produtos de sua proprietária (como a ABC com os filmes da Disney). Apenas em 11% dos casos o telespectador é informado sobre a "relação de parentesco".
Em junho, descontados os intervalos comerciais, 33% do tempo desses programas foi utilizado para vender produtos. Quanto à divisão do bolo noticioso, três quartos ficaram com comportamento e celebridades.
Sob o impacto dos atentados, as manhãs televisivas iniciaram uma dieta de "menos açúcar e mais cafeína", na definição de Howard Kurtz, repórter e crítico de mídia do "The Washington Post".
Os 46,9% de reportagens sobre o que vestir, para onde viajar, como entrar em forma e fazer sobremesas minguaram para 12%. Histórias de famosos caíram pela metade. A participação de "hard news" pulou de 6,9% para 58,1%. O efeito antraz quase triplicou as matérias de ciência.
Os autores rejeitam a idéia de que os números de junho estejam contaminados pelo fator verão, época em que o noticiário institucional costuma refluir. Com base em pesquisa anterior do PEJ, sustentam que o material exibido é típico de anos recentes.
Ao longo de duas décadas, o "hard news" só fez perder espaço nos telejornais. Sua fatia encolheu 26 pontos percentuais entre 1977 e 1997. No mesmo período, a dos assuntos de comportamento cresceu 11,3 pontos, e a das celebridades, mais do que triplicou.


Texto Anterior: Artigo: Mídia foi o melhor aliado de Bin Laden
Próximo Texto: Audiência sobe, mas é cedo para cravar tendência
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.