São Paulo, domingo, 02 de dezembro de 2001

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CONFERÊNCIA DE DURBAN

Atentados aos EUA e impasse sobre reparações por escravidão atrasam decisões de encontro da ONU

Terror atropela reunião sobre racismo

FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Dois meses e meio depois do final da Conferência das Nações Unidas contra o Racismo, a declaração e o programa de ação do encontro não estão prontos. Os debates do encontro de Durban, na África do Sul, foram encobertos pelo impacto dos atentados terroristas nos Estados Unidos.
O mundo parece ter esquecido, mas os documentos de Durban teriam de ser ratificados na Assembléia Geral da ONU, que deve permanecer reunida em Nova York até meados de dezembro.
A alta comissária da ONU para direitos humanos, Mary Robinson, deveria ter entregue as versões finais dos documentos à Assembléia Geral. Não foi possível: até agora, segue a queda-de-braço entre o grupo africano e a União Européia sobre o tema das reparações pela escravidão.
Na prática, isso é a implosão do consenso construído a duras penas em Durban. A conferência teve seu final postergado em um dia, de 7 para 8 de setembro, por causa dos debates em torno das reparações e do Oriente Médio.
Sem os documentos, a discussão sobre o assunto na Assembléia Geral acabou adiada para o ano que vem, informou Jose Díaz, porta-voz de Mary Robinson. Segundo Jan Fischer, porta-voz da presidência da Assembléia Geral, para 2002 estão previstas as chamadas reuniões regulares, ainda sem data marcada.

Reparações
A pendência que impede a conclusão dos documentos está em três parágrafos sobre reparações.
Nesses parágrafos, a conferência lembra que alguns países tomaram a iniciativa de expressar remorsos, arrependimento ou desculpas e faz um apelo para que os que ainda não restauraram a dignidade das vítimas encontrem caminhos para isso.
Outro trecho polêmico é o que fala da obrigação moral dos países, apelando a eles para que tomem medidas apropriadas e efetivas para reverter as consequências do passado escravagista.
Esses parágrafos integram um conjunto de 14 parágrafos aprovados em Durban longe das grandes salas de negociação, num pequeno grupo de países, liderado pelo Brasil e pelo Quênia. Aprovou-se o texto sem definição explícita de onde os parágrafos seriam colocados.
Agora, na hora da redação final dos documentos, a União Européia exige que os parágrafos apareçam na declaração de Durban, o que lhes daria um conteúdo mais ético e menos propositivo.
O grupo africano quer que os parágrafos sejam postos no programa de ação, o que lhes daria um efeito mais operacional, gerando condições de cobrança pela implementação das propostas.
As discussões continuam em Genebra, sede do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, e em Nova York, nos bastidores da Assembléia Geral.
O Alto Comissariado não participa efetivamente da negociação -"isso é um problema dos países", disse Díaz-, mas tenta buscar o consenso. Sabe-se, porém, que disputa a liderança do debate com a África do Sul, que presidiu a conferência de Durban e apóia a proposta do grupo africano. Segundo ele, Robinson está preocupada com o atraso na conclusão dos documentos, pois isso adiará a implementação das propostas.
Os ataques, para Díaz, deram ainda mais relevância às decisões. "Se os documentos eram importantes antes dos atentados, imagine agora. As decisões mostram que os direitos humanos devem ser respeitados e que, no combate ao terrorismo, as pessoas não devem ser discriminadas."

Cenários possíveis
"O debate está espinhosíssimo", diz o ministro Tadeu Valadares, diretor-geral do Departamento de Direitos Humanos e Temas Sociais do Itamaraty e um dos principais negociadores brasileiros em Durban.
Na avaliação de Valadares, há três cenários possíveis para o desenrolar do debate: 1) um consenso geral, que é difícil; 2) a proposta de colocar o problema em votação na Assembléia Geral; e 3) seguir as discussões, adiando, assim, a proposta do texto final.
A pior hipótese, diz ele, seria o grupo africano forçar uma votação na Assembléia Geral. Poderia até ganhar, com o apoio de todos os países em desenvolvimento. "No entanto seria uma maioria debilitada, que colocaria de um lado os demandantes e de outro os demandados."
Segundo o ministro, o Brasil seguirá trabalhando pelo consenso para que os documentos sejam aprovados ainda nesta assembléia, pois considera válido colocar os parágrafos tanto na declaração como no programa de ação.
"Para nós, o importante é que haja um consenso. O país não espera cooperação internacional e defende a implementação de políticas públicas como forma de reparação", afirmou, sem adiantar qual será a posição brasileira caso o assunto vá para votação.



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