|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CONFERÊNCIA DE DURBAN
Atentados aos EUA e impasse sobre reparações por escravidão atrasam decisões de encontro da ONU
Terror atropela reunião sobre racismo
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
Dois meses e meio depois do final da Conferência das Nações
Unidas contra o Racismo, a declaração e o programa de ação do encontro não estão prontos. Os debates do encontro de Durban, na
África do Sul, foram encobertos
pelo impacto dos atentados terroristas nos Estados Unidos.
O mundo parece ter esquecido,
mas os documentos de Durban
teriam de ser ratificados na Assembléia Geral da ONU, que deve
permanecer reunida em Nova
York até meados de dezembro.
A alta comissária da ONU para
direitos humanos, Mary Robinson, deveria ter entregue as versões finais dos documentos à Assembléia Geral. Não foi possível:
até agora, segue a queda-de-braço
entre o grupo africano e a União
Européia sobre o tema das reparações pela escravidão.
Na prática, isso é a implosão do
consenso construído a duras penas em Durban. A conferência teve seu final postergado em um
dia, de 7 para 8 de setembro, por
causa dos debates em torno das
reparações e do Oriente Médio.
Sem os documentos, a discussão sobre o assunto na Assembléia Geral acabou adiada para o
ano que vem, informou Jose Díaz,
porta-voz de Mary Robinson. Segundo Jan Fischer, porta-voz da
presidência da Assembléia Geral,
para 2002 estão previstas as chamadas reuniões regulares, ainda
sem data marcada.
Reparações
A pendência que impede a conclusão dos documentos está em
três parágrafos sobre reparações.
Nesses parágrafos, a conferência lembra que alguns países tomaram a iniciativa de expressar
remorsos, arrependimento ou
desculpas e faz um apelo para que
os que ainda não restauraram a
dignidade das vítimas encontrem
caminhos para isso.
Outro trecho polêmico é o que
fala da obrigação moral dos países, apelando a eles para que tomem medidas apropriadas e efetivas para reverter as consequências do passado escravagista.
Esses parágrafos integram um
conjunto de 14 parágrafos aprovados em Durban longe das grandes salas de negociação, num pequeno grupo de países, liderado
pelo Brasil e pelo Quênia. Aprovou-se o texto sem definição explícita de onde os parágrafos seriam colocados.
Agora, na hora da redação final
dos documentos, a União Européia exige que os parágrafos apareçam na declaração de Durban, o
que lhes daria um conteúdo mais
ético e menos propositivo.
O grupo africano quer que os
parágrafos sejam postos no programa de ação, o que lhes daria
um efeito mais operacional, gerando condições de cobrança pela
implementação das propostas.
As discussões continuam em
Genebra, sede do Alto Comissariado da ONU para Direitos Humanos, e em Nova York, nos bastidores da Assembléia Geral.
O Alto Comissariado não participa efetivamente da negociação
-"isso é um problema dos países", disse Díaz-, mas tenta buscar o consenso. Sabe-se, porém,
que disputa a liderança do debate
com a África do Sul, que presidiu
a conferência de Durban e apóia a
proposta do grupo africano. Segundo ele, Robinson está preocupada com o atraso na conclusão
dos documentos, pois isso adiará
a implementação das propostas.
Os ataques, para Díaz, deram
ainda mais relevância às decisões.
"Se os documentos eram importantes antes dos atentados, imagine agora. As decisões mostram
que os direitos humanos devem
ser respeitados e que, no combate
ao terrorismo, as pessoas não devem ser discriminadas."
Cenários possíveis
"O debate está espinhosíssimo",
diz o ministro Tadeu Valadares,
diretor-geral do Departamento de
Direitos Humanos e Temas Sociais do Itamaraty e um dos principais negociadores brasileiros
em Durban.
Na avaliação de Valadares, há
três cenários possíveis para o desenrolar do debate: 1) um consenso geral, que é difícil; 2) a proposta
de colocar o problema em votação na Assembléia Geral; e 3) seguir as discussões, adiando, assim, a proposta do texto final.
A pior hipótese, diz ele, seria o
grupo africano forçar uma votação na Assembléia Geral. Poderia
até ganhar, com o apoio de todos
os países em desenvolvimento.
"No entanto seria uma maioria
debilitada, que colocaria de um
lado os demandantes e de outro
os demandados."
Segundo o ministro, o Brasil seguirá trabalhando pelo consenso
para que os documentos sejam
aprovados ainda nesta assembléia, pois considera válido colocar os parágrafos tanto na declaração como no programa de ação.
"Para nós, o importante é que
haja um consenso. O país não espera cooperação internacional e
defende a implementação de políticas públicas como forma de reparação", afirmou, sem adiantar
qual será a posição brasileira caso
o assunto vá para votação.
Texto Anterior: Audiência sobe, mas é cedo para cravar tendência Próximo Texto: Impasse impediu que documentos ficassem prontos Índice
|