São Paulo, domingo, 3 de janeiro de 1999

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

RÚSSIA
País, com a maior concentração carcerária do mundo, mantém detentos sem alimentos e remédios em celas superpovoadas
ONGs denunciam deterioração das prisões

FRANÇOIS BONNET
do "Le Monde", em Moscou

Valeri Abramkine cortou o fio de arame farpado que fazia as vezes de uma faixa de inauguração e falou sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos ao abrir a exposição. "Casos frequentes de tortura, milhares de mortos por ano, condições de detenção desesperadoras. Assim é o cotidiano de nossos prisioneiros", disse.
Abramkine é, há dez anos, responsável pelo centro de Moscou pela reforma das prisões (MPCR). Os 50 anos da declaração, de 1948, não foram motivo de nenhuma manifestação oficial na Rússia, mas essa organização não-governamental organizou uma conferência internacional e uma exposição sobre as prisões russas.
O horror que ali impera, depois de anos, chamou a atenção das organizações internacionais. As péssimas condições inquietam também as autoridades russas, que parecem decididas a realizar uma reforma no sistema carcerário.
A Rússia tem a maior concentração carcerária do mundo -1,1 milhão de detentos, o que significa uma proporção de 780 pessoas para cada 100 mil habitantes. Na Europa, essa taxa varia entre 60 e 90. "Os direitos do homem estão sendo violados em três sistemas fechados: as prisões, as Forças Armadas e os hospitais psiquiátricos", afirma Serguei Kovalev, figura emblemática da luta contra o abuso de direitos humanos na Rússia.
A essa superpopulação carcerária soma-se o problema das condições de vida nas prisões. "É uma tortura. Tortura imposta pela falta de sol, pela falta de ar e de espaço", reconhece Iuri Kalinine, encarregado das Cizo (centros de detenção preventiva), onde 450 mil pessoas passam a cada ano e onde cerca de 10 mil prisioneiros morreram no ano passado devido a doenças, má nutrição e sufocamento.
A exposição "Um homem na prisão" apresenta as celas onde se amontoam, em 70 m2, cerca de 150 detentos, que dormem em turnos . "Quando a porta se abre, sufoca-se com a fumaça de tabaco, os odores da transpiração e dos excrementos", testemunha um observador das Nações Unidas. "O calor obriga os prisioneiros a viverem parte do tempo nus. A umidade é tanta que nada fica seco."
A crise econômica deteriorou ainda mais as condições de vida nas prisões. No fim de outubro, os membros do Conselho de Segurança russo exigiram a retomada do financiamento para o sistema penitenciário, interrompido parcialmente desde julho. A compra de medicamentos foi suspensa. Há 100 mil detentos com tuberculose, dos quais 20 mil têm uma infecção resistente aos tratamentos convencionais.
Segundo o MPCR e a ONG Médicos Sem Fronteira, que mantêm programas de assistência em algumas prisões, mais de 5.000 detentos irão morrer de tuberculose até o fim deste ano.
A Assembléia Municipal de Moscou pede também que se aumente a verba para a compra de alimentos. O ministro da Justiça russo, Pavel Krachenninikov, reconheceu que o Orçamento federal previa gastos de 67 centavos de rublo por dia por prisioneiro. "Isso equivale a menos de 300 gramas de pão", afirma o MPCR.
No mês passado, o Ministério da Justiça lançou um projeto de anistia e reforma do Código Penal do país a fim de diminuir as penas de prisão. Cerca de 200 mil detentos poderiam ser assim libertados. Mas para as associações de defesa dos direitos do homem, a Rússia tem necessidade de uma reforma completa nos sistemas judiciário e penitenciário para se aproximar dos padrões ocidentais.
²


Tradução de Rodrigo Castro


Texto Anterior | Próximo Texto | Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.