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São Paulo, segunda-feira, 03 de fevereiro de 2003

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ONU

Para Sylvia Steiner, aversão americana ao Tribunal Penal Internacional será superada

EUA ainda aderirão ao TPI, diz juíza

RODRIGO UCHÔA
DA REDAÇÃO

Os Estados que ratificaram o Tribunal Penal Internacional (TPI) começam hoje, em Nova York, a escolher os 18 juízes que comporão o órgão. A candidata brasileira, Sylvia Helena de Figueiredo Steiner, 50, desembargadora federal (Tribunal Regional Federal da 3ª Região-SP), tem chances significativas de ser escolhida entre os 56 candidatos.
Nas primeiras quatro rodadas da eleição, os Estados-parte têm de respeitar algumas cotas, que são as de representação por grupo geográfico, por gênero e, depois, por especialidade (em direito internacional e em direito penal). "O TPI tem a preocupação de trazer a perspectiva da mulher para seus julgamentos", diz Steiner.
Ela considera que o tribunal nasce fortalecido, apesar da ausência dos EUA. Dizendo-se otimista, a desembargadora crê que Washington ainda aderirá à corte.
Paulistana, divorciada, bacharela e mestra em direito internacional pela USP, Sylvia Steiner está nos EUA para assistir às votações. Leia a seguir trechos da entrevista que deu à Folha por telefone.
 
Folha - O TPI nasce prejudicado pela não-participação dos EUA?
Sylvia Helena de Figueiredo Steiner -
Acho que o TPI está nascendo bastante fortalecido, pois tem a ratificação de todos os países da União Européia, da maior parte da América Latina e de nações importantes, como o Canadá.
Mas creio ser importante que, no médio ou no longo prazo, os EUA se juntem ao tribunal. Entendemos a necessidade de que o TPI seja realmente universal.
Como tradicionalmente os EUA têm dificuldades em aceitar a jurisdição internacional, acho que uma das principais tarefas da primeira composição do tribunal será mostrar que é imparcial, que não surge para perseguir injustamente soldados americanos.
Sou uma otimista. Penso que os EUA acabarão aderindo.

Folha - Juristas americanos criticam a adesão dizendo que ela implicaria a entrega de parte da soberania do país e que um tribunal internacional poderia ser influenciado por antiamericanismo.
Steiner -
A situação atual, em que um tribunal "ad hoc" da ONU pode ser instalado a qualquer tempo, como os para crimes contra a humanidade cometidos em Ruanda e na ex-Iugoslávia, é muito mais invasiva da soberania do que a adesão voluntária a uma corte permanente. A questão não está ligada à soberania, mas ao exercício de forças de poder dentro das relações internacionais.

Folha - E a influência política nos julgamentos?
Steiner -
As figuras criminais do Estatuto de Roma são muito claras. Pretendemos que o tribunal não sofra influências políticas. Não sei trabalhar com política, não quero ter de trabalhar com política. Se houver injunções políticas, eu serei a primeira a combater o tribunal.
Se for para ter influência política, que tudo fique como está, com o Conselho de Segurança da ONU podendo instalar tribunais "ad hoc" onde quiser.

Folha - Suas chances foram maximizadas por ser mulher?
Steiner -
O que se diz é que há uma grande chance de que as mulheres sejam eleitas logo no primeiro escrutínio, o que significaria a eleição de ao menos 6 das 10 candidatas.

Folha - Por que isso?
Steiner -
Como as mulheres tradicionalmente são duplamente vitimadas pela guerra, a idéia é de que juízas possam levar ao tribunal a perspectiva de gênero. Isso vem da experiência dos tribunais "ad hoc" de Ruanda e da ex-Iugoslávia: a quantidade de mulheres que aparecem como testemunhas de violências adicionais nesses tribunais fez inclusive com que o tribunal de Ruanda reconhecesse que o estupro pode ser uma forma de genocídio.
As mulheres perdem os maridos, passam fome, têm de trabalhar duplamente para sustentar os filhos e ainda são vítimas de estupro e de violências sexuais inimagináveis, pois acabam fazendo parte do butim. Mas não é só isso.
O Estatuto de Roma não traz apenas as figuras de crimes contra mulheres e de crime de escravidão sexual, traz também a figura dos crimes de desaparecimento forçado. Sabemos que, na América Latina toda, tivemos essa experiência recentemente.
Ele acaba consagrando uma série de novos crimes que causam sofrimento desnecessário às populações vítimas de conflitos. São conquistas importantes.



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