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COLÔMBIA
Analistas previam que presidente corria risco de não terminar mandato; após rompimento, popularidade disparou
Ofensiva contra as Farc recupera Pastrana
DO ENVIADO ESPECIAL À COLÔMBIA
Após jogar todas as suas fichas,
durante mais de três anos, em um
processo de paz que pudesse pôr
fim a uma guerra civil que já dura
quatro décadas e que vem fazendo cerca de 3.500 mortos ao ano, o
presidente colombiano, Andrés
Pastrana, pôs fim ao diálogo com
as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), há dez
dias, encurralado por pressões
cruzadas, mas, mais que isso, como um gesto para tentar salvar
seu mandato. De presidente que
conseguiu a paz, Pastrana almeja
agora passar à história como presidente que enfrentou a guerrilha.
Na quinta-feira retrasada, menos de 24 horas após o rompimento do processo, uma pesquisa
divulgada pela TV Caracol indicava que 90% dos colombianos haviam apoiado a decisão do presidente de romper com o diálogo. A
imagem positiva de Pastrana, que
era de apenas 20%, pulou para
67% com a decisão de retomar a
zona desmilitarizada concedida
por ele às Farc em 1998.
O fato é que as agruras da guerra
civil, acentuadas mesmo em meio
às negociações de paz, haviam debilitado a imagem do presidente a
ponto de um dos "gurus" da direita local, o ex-presidente Alfonso
López Michelsen, 80, prever que
ele poderia não terminar seu
mandato.
Os colombianos sempre foram
favoráveis ao diálogo como solução para o conflito, e isso garantiu
a eleição de Pastrana em 1998,
com seus gestos de aproximação
com Manuel "Tirofijo" Marulanda, o septuagenário líder das Farc.
Mas seu modelo de negociação
em meio ao conflito, sem um cessar-fogo prévio, mostrou-se logo
ineficaz e produziu na sociedade
colombiana uma mudança de
conceito, com um crescente apoio
à saída militar.
Para aumentar a pressão sobre
Pastrana, os EUA passaram a insistir cada vez mais, após os atentados de 11 de setembro, na luta
contra os grupos rebeldes colombianos, classificados por eles de
"terroristas".
Mesmo com todas as concessões feitas pelo governo às Farc
-estabelecimento da zona desmilitarizada, cuja área era de 42
mil km2, semelhante à da Suíça;
concessão de status político à
guerrilha; e troca de rebeldes presos por sequestrados-, a intensidade do conflito só fez crescer
mais e mais.
"O problema desse modelo de
processo de paz, sem cessar-fogo
prévio, é que permitiu que a guerra crescesse mais que a negociação", disse à Folha Marco Alberto
Romero, professor do Departamento de Política da Universidade Nacional da Colômbia.
Ainda assim, nenhuma das
ações da guerrilha violava os pré-acordos assinados, deixando o
governo com o ônus de decidir se
retirar da mesa de negociações e
ser acusado pela guerrilha de
romper unilateralmente o diálogo
ou de continuar com o processo e
ver seu apoio público cair.
Em nome de seu sonho de deixar o cargo com um acordo de paz
firmado com a maior guerrilha do
país, com 17 mil homens, Pastrana manteve o processo, a duras
penas, até onde deu.
As Farc em nenhum momento
pareceram realmente propensas
ao diálogo. O mau sinal foi dado
logo no início, quando Marulanda não compareceu à primeira
reunião de lançamento do processo de paz, em janeiro de 1999,
na zona desmilitarizada, causando um constrangimento ao presidente, que teve de discursar sozinho ao lado de sua cadeira vazia.
O crescimento da violência,
aliado à crise econômica decorrente -o crescimento do PIB
caiu de uma média de 3,1% no período entre 1980 e 1995 para 0,4%
entre 1996 e 2001, e os investimentos estrangeiros baixaram de 15%
do PIB, em média, nos anos 90,
para menos de 7% nos últimos
dois anos-, deixou Pastrana
num beco sem saída.
Convencido de que o rompimento do processo era inevitável,
Pastrana mantinha-se de mãos
atadas. Romper unilateralmente
o processo, quando ele mesmo
havia estabelecido um prazo até
abril para a assinatura de um cessar-fogo, seria seu suicídio político.
O desvio de um avião e o sequestro do senador Jorge Eduardo Gechem Turbay, no dia 20 de
fevereiro, vieram a calhar. "Esse
ato foi a salvação para Pastrana,
que lhe deu o argumento de que
precisava para romper formalmente um processo que já estava
condenado havia muito tempo",
diz o analista político Alejo Vargas, ex-vice-reitor da Universidade Nacional e membro da comissão facilitadora do diálogo com o
ELN (Exército de Libertação Nacional), segunda maior guerrilha
da Colômbia.
Para Camilo González Posso,
presidente do Indepaz (Instituto
para o Desenvolvimento e para a
Paz) e ministro da Saúde no governo César Gavíria, o episódio
foi marcado por erros de estratégia por todos os lados, desde o seu
princípio.
"Nessa última fase, a guerrilha
errou por pressionar demais um
governo debilitado politicamente,
e o governo errou por adotar uma
saída militar baseado em um cálculo político momentâneo", disse. "A guerra será inócua, e o retorno ao diálogo será inevitável.
Mas isso pode demorar muito
tempo, e até lá deve correr muito
sangue."
(ROGERIO WASSERMANN)
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