São Paulo, domingo, 03 de março de 2002

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COLÔMBIA

Analistas previam que presidente corria risco de não terminar mandato; após rompimento, popularidade disparou

Ofensiva contra as Farc recupera Pastrana

DO ENVIADO ESPECIAL À COLÔMBIA

Após jogar todas as suas fichas, durante mais de três anos, em um processo de paz que pudesse pôr fim a uma guerra civil que já dura quatro décadas e que vem fazendo cerca de 3.500 mortos ao ano, o presidente colombiano, Andrés Pastrana, pôs fim ao diálogo com as Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia), há dez dias, encurralado por pressões cruzadas, mas, mais que isso, como um gesto para tentar salvar seu mandato. De presidente que conseguiu a paz, Pastrana almeja agora passar à história como presidente que enfrentou a guerrilha.
Na quinta-feira retrasada, menos de 24 horas após o rompimento do processo, uma pesquisa divulgada pela TV Caracol indicava que 90% dos colombianos haviam apoiado a decisão do presidente de romper com o diálogo. A imagem positiva de Pastrana, que era de apenas 20%, pulou para 67% com a decisão de retomar a zona desmilitarizada concedida por ele às Farc em 1998.
O fato é que as agruras da guerra civil, acentuadas mesmo em meio às negociações de paz, haviam debilitado a imagem do presidente a ponto de um dos "gurus" da direita local, o ex-presidente Alfonso López Michelsen, 80, prever que ele poderia não terminar seu mandato.
Os colombianos sempre foram favoráveis ao diálogo como solução para o conflito, e isso garantiu a eleição de Pastrana em 1998, com seus gestos de aproximação com Manuel "Tirofijo" Marulanda, o septuagenário líder das Farc. Mas seu modelo de negociação em meio ao conflito, sem um cessar-fogo prévio, mostrou-se logo ineficaz e produziu na sociedade colombiana uma mudança de conceito, com um crescente apoio à saída militar.
Para aumentar a pressão sobre Pastrana, os EUA passaram a insistir cada vez mais, após os atentados de 11 de setembro, na luta contra os grupos rebeldes colombianos, classificados por eles de "terroristas".
Mesmo com todas as concessões feitas pelo governo às Farc -estabelecimento da zona desmilitarizada, cuja área era de 42 mil km2, semelhante à da Suíça; concessão de status político à guerrilha; e troca de rebeldes presos por sequestrados-, a intensidade do conflito só fez crescer mais e mais.
"O problema desse modelo de processo de paz, sem cessar-fogo prévio, é que permitiu que a guerra crescesse mais que a negociação", disse à Folha Marco Alberto Romero, professor do Departamento de Política da Universidade Nacional da Colômbia.
Ainda assim, nenhuma das ações da guerrilha violava os pré-acordos assinados, deixando o governo com o ônus de decidir se retirar da mesa de negociações e ser acusado pela guerrilha de romper unilateralmente o diálogo ou de continuar com o processo e ver seu apoio público cair.
Em nome de seu sonho de deixar o cargo com um acordo de paz firmado com a maior guerrilha do país, com 17 mil homens, Pastrana manteve o processo, a duras penas, até onde deu.
As Farc em nenhum momento pareceram realmente propensas ao diálogo. O mau sinal foi dado logo no início, quando Marulanda não compareceu à primeira reunião de lançamento do processo de paz, em janeiro de 1999, na zona desmilitarizada, causando um constrangimento ao presidente, que teve de discursar sozinho ao lado de sua cadeira vazia.
O crescimento da violência, aliado à crise econômica decorrente -o crescimento do PIB caiu de uma média de 3,1% no período entre 1980 e 1995 para 0,4% entre 1996 e 2001, e os investimentos estrangeiros baixaram de 15% do PIB, em média, nos anos 90, para menos de 7% nos últimos dois anos-, deixou Pastrana num beco sem saída.
Convencido de que o rompimento do processo era inevitável, Pastrana mantinha-se de mãos atadas. Romper unilateralmente o processo, quando ele mesmo havia estabelecido um prazo até abril para a assinatura de um cessar-fogo, seria seu suicídio político.
O desvio de um avião e o sequestro do senador Jorge Eduardo Gechem Turbay, no dia 20 de fevereiro, vieram a calhar. "Esse ato foi a salvação para Pastrana, que lhe deu o argumento de que precisava para romper formalmente um processo que já estava condenado havia muito tempo", diz o analista político Alejo Vargas, ex-vice-reitor da Universidade Nacional e membro da comissão facilitadora do diálogo com o ELN (Exército de Libertação Nacional), segunda maior guerrilha da Colômbia.
Para Camilo González Posso, presidente do Indepaz (Instituto para o Desenvolvimento e para a Paz) e ministro da Saúde no governo César Gavíria, o episódio foi marcado por erros de estratégia por todos os lados, desde o seu princípio.
"Nessa última fase, a guerrilha errou por pressionar demais um governo debilitado politicamente, e o governo errou por adotar uma saída militar baseado em um cálculo político momentâneo", disse. "A guerra será inócua, e o retorno ao diálogo será inevitável. Mas isso pode demorar muito tempo, e até lá deve correr muito sangue." (ROGERIO WASSERMANN)



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