São Paulo, segunda-feira, 03 de março de 2008

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Medvedev é eleito presidente russo

Como era esperado, aliado de Putin, que deverá ser premiê, tem 70% dos votos com 90% da apuração concluída

Oposição reclama de fraude e promete recorrer; chefe da comissão eleitoral afirma que denúncias são apenas interferência estrangeira

Vladimir Rodionov/Associated Press
O presidente Vladimir Putin (à esq.) e o seu sucessor, Dmitri Medvedev, 42 anos, comemoram vitória na eleição presidencial russa na praça Vermelha, em Moscou

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

Em uma alegoria de eleição cuja monótona naturalidade caberia em alguma das obras-primas satíricas do escritor russo Nikolai Gogol, a Rússia elegeu ontem o jovem Dmitri Anatolievitch Medvedev, 42, como presidente da segunda potência nuclear mundial.
Nada foi surpresa. Como num conto de Gogol, o absurdo tomou ares de cotidiano: até a proporção de comparecimento às urnas saiu conforme o previsto pela Comissão Eleitoral, e, por extensão, pelo Kremlin. Oficialmente, cerca de 65% dos 109 milhões de eleitores consagraram Medvedev, provando, pela presença, a eficácia da campanha oficial -resta saber a lisura de tal empreitada.
Segundo a pesquisa de boca-de-urna do Centro de Pesquisa de Opinião Pública de Toda a Rússia, o vice-primeiro-ministro e candidato do Kremlin recebeu 69,6% dos votos -sondagens pré-eleitorais lhe davam mais ou menos isso.
Com 90% da apuração concluída, o número aproximado era o mesmo, mas faltavam urnas das regiões mais populosas.
Na apuração, o comunista Gennadi Ziuganov era o segundo, com entre 15% e 20% dos votos, e o ultranacionalista Vladimir Jirinovski tinha de 10% a 15%. Andrei Bogdanov (Partido Democrático), o mais folclórico personagem do teatro de absurdos do pleito, teve 1%.
O vencedor, portanto, foi o regime de Vladimir Putin, presidente interino em dezembro de 1999, eleito em 2000 e reeleito quatro anos depois. Um cínico aliado e dependente do Ocidente, Putin não caiu na tentação chavista de tentar mudar a lei e permitir mais reeleições que a única regulamentar. "Isso levaria a uma condenação do Ocidente, tudo o que ele não quer", diz o cientista político Boris Kagarlitski.
Sobram as denúncias de fraude anteriores e durante o pleito, sobre as quais o presidente da Comissão Eleitoral, Vladimir Churov, deu o veredicto: são apenas interferência estrangeira. Não havia nenhuma delegação grande de observadores ocidentais.
Assim, manipulações diversas deverão passar incólumes, apesar de o candidato comunista ter avisado que recorrerá do resultado, na prática mais um jogo de cena. Segundo o seu partido, houve "enchimento de urnas" em regiões com alta abstenção. O partido de Jirinovski, o Liberal Democrático, também prometeu recorrer.
O ex-premiê Mikhail Kasianov, cuja candidatura foi enterrada por meio de suspeitas manobras legais, disse que a eleição "não existiu". O oposicionista Garry Kasparov tentou protestar na praça Vermelha e foi barrado pela polícia. Ele chamou de "farsa" o pleito, do qual desistiu também por barreiras burocráticas.

Continuidade
Putin deverá ser o premiê sob Medvedev, numa manobra não exatamente sutil de manter-se no poder. Mas há mais de um analista que acha que ele pode, efetivamente, estar deixando as rédeas aos poucos.
Juntos, Putin e Medvedev agradeceram aos eleitores, aparecendo de surpresa num "concerto da vitória" na praça Vermelha. Involuntariamente, ao votar, Medvedev aludiu ao "plus ça change, plus c'est la même chose" vigente. Questionado sobre como estava se sentindo, disse: "Meu ânimo está bom, a primavera está aqui. Apesar de estar chovendo, é outra estação".
Em rápida entrevista coletiva, ele, que tomará posse em 7 de maio, prometeu ser "uma continuação direta" da gestão Putin, mas disse que não há nenhuma proposição de mudança constitucional para dar mais poderes ao cargo de primeiro-ministro.
Já Putin, ao votar, falou na condição de futuro premiê, disposto a "negociar com chefes de governo". E disse que a chuva era "bom sinal".
Seja quem estiver certo, o fato é que os últimos dias de tempo bom adiantaram o clima primaveril esperado só para o fim do mês na gelada Moscou. Mas ontem, como que para lembrar os eleitores que nem tudo muda, nevou, fez frio e choveu. Medvedev vai ter trabalho para provar que é "outra estação".


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