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São Paulo, quinta-feira, 03 de abril de 2003

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AÇÃO MILITAR

Tropas de Saddam recuam depois de sofrerem pesadas baixas em ataques dos EUA e dos curdos

Frente norte iraquiana começa a cair

PATRICK COCKBURN
DO "THE INDEPENDENT",
AO NORTE DE MOSSUL

A frente norte do Exército iraquiano começou a entrar em colapso ontem, enquanto tropas recuavam de maneira confusa para a cidade de Mossul, depois de sofrerem pesadas baixas em ataques aéreos americanos e em combate contra a milícia curda.
Sarbast Babiri, o comandante curdo, sorrindo triunfantemente para seus homens, muitos dos quais usavam capacetes iraquianos capturados e estavam reunidos em torno dele, disse que "o Exército iraquiano recuou para posições nove quilômetros ao norte de Mossul. Eles deixaram para trás metralhadoras pesadas, lançadores de foguetes, comida e muitos cadáveres".
O desmantelamento da frente norte, que não registrou muita atividade nas duas primeiras semanas da guerra, é um sério revés para o ditador Saddam Hussein, porque agora ele terá de enfrentar ataques do norte, além do sul. Mas a situação pode aumentar a possibilidade de uma invasão turca à região norte do Iraque, uma perspectiva que o secretário de Estado americano, Colin Powell, estava tentando evitar ontem.
Powell, que esteve em Ancara para uma visita de um dia, disse que estava tratando das preocupações turcas quanto "à extensão rumo ao sul das áreas sob controle curdo". Mas, enquanto ele discursava, já surgiam sinais de que os peshmergas (guerrilheiros) curdos estavam fazendo exatamente isso, ainda que, conscientes do perigo que a Turquia representa, tenham apresentado seu avanço não como algo previamente planejado, mas sim como fruto de um erro iraquiano.
A linha de frente iraquiana aqui ao norte de Mossul ficava, até ontem, 60 km ao norte da cidade.
O relato do comandante Babiri sobre o que aconteceu é que o Exército iraquiano estava cuidando da rotação de uma de suas unidades postadas na linha de frente, substituindo-a por outra, uma técnica padronizada aparentemente adotada para impedir deserções e limitar o tempo de exposição das tropas a ataques aéreos, dada sua posição vulnerável no topo das colinas.
"Eles queriam substituir o 108º pelo 105º Regimento, mas os soldados da unidade recém-chegada não sabiam onde estava a linha de frente de nossos peshmergas", explicou o comandante Babiri, responsável pelas forças da milícia curda em Bardarash. "Eles começaram a disparar contra os nossos soldados, e respondemos ao fogo." Foi nessa altura do combate que um destacamento das forças especiais dos EUA que acompanhava os peshmergas solicitou ataques aéreos contra as tropas iraquianas.
"Os americanos estavam conosco e coordenaram os ataques de seus aviões", confirmou o comandante Babiri. Ao longo do último mês, unidades das forças especiais americanas vêm combatendo ao lado dos peshmergas.
Os aldeões na vila curda de Kanilan, que estava sob controle do Exército iraquiano, confirmaram que o regimento iraquiano estacionado na ponte de Mandan, uma estrutura de concreto sobre um pequeno riacho vizinho, havia sofrido pesadas baixas. Hoshyar Ahmed, um dos aldeões, disse: "Vimos os aviões americanos bombardeá-los. Os veículos iraquianos removeram muitos mortos e feridos. Recuaram tão rápido que nem tiveram tempo de explodir a tempo, se bem tenham instalado minas nela".
As retiradas do Exército iraquiano para a cidade de Kirkuk, na semana passada, foram bem organizadas e tinham objetivos puramente táticos, sem que uma única arma fosse deixada nos quartéis que abandonaram. Mas, enquanto caminhávamos em frente à pequena loja da aldeia, que oferece uma variedade de biscoitos baratos, em Kanilan, vimos dois peshmergas chegando em um caminhão capturado do Exército iraquiano, na traseira do qual exibiram, com orgulho, um canhão sem recuo de 106 mm que também haviam capturado.
O comandante Babiri demonstrava cautela e tentava evitar qualquer declaração que fomente suspeitas turcas de que os curdos estejam avançando deliberadamente na província de Mossul.
"Não deixamos nossas posições durante o combate", disse, ainda que fosse difícil conceber, caso isso seja verdade, de que maneira ele e os soldados haviam conseguido avançar dez quilômetros na estrada para Mossul. "Só avançaremos até o limite das terras curdas", disse Babiri, referindo-se aos territórios curdos dos quais seus conterrâneos foram expulsos ao longo dos últimos 30 anos pelas sistemáticas campanhas de limpeza étnica de Saddam.
Os peshmergas tiveram apenas cinco mortos no combate, enquanto os aldeões dizem que até 200 iraquianos morreram ou foram feridos nos ataques aéreos. Isso sublinha o fato de que o Exército iraquiano não consegue resistir sequer a forças leves de infantaria, como as dos curdos, quando estas contam com o apoio do poderio aéreo norte-americano em campo aberto.
Na verdade, os peshmergas curdos não precisam avançar até Kirkuk ou Mossul. Assim que o Exército iraquiano se retirar ou dissolver, cerca de 300 mil refugiados curdos das duas Províncias, muitos dos quais armados, expressam toda intenção de ir para casa, tão logo o possam.


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