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Thatcherismo resiste à crise que fomentou
Consenso ideológico alcançado pela ex-primeira-ministra, que chegou ao poder há 30 anos, resiste às turbulências atuais do capitalismo
Queda da renda do trabalho e boom financeiro criados por Thatcher, diz analista, explicam padrão de gastos
a crédito e sua crise atual
RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL
Quando Margaret Thatcher
chegou ao poder, exatamente
30 anos atrás, a inflação caminhava para uma taxa anual de
18%, valor muito alto para os
padrões históricos no Reino
Unido. A nova primeira-ministra lançou mão, então, de uma
das primeiras e mais radicais
experiências de controle monetário dos preços.
Cortou drasticamente os gastos públicos e elevou taxas de
juros, empurrando o país para
uma forte recessão. A reação
inicial foi de dúvidas e, mais
tarde, de aberta oposição, mesmo dentro de seu partido. Preocupados com seus votos, os
conservadores pressionavam.
Em 1980, numa conferência
do partido, a Dama de Ferro
deu uma resposta pública às expectativas então generalizadas
de reversão da política econômica: "Se vocês querem dar
meia-volta, que deem. A dama
não dá voltas".
Trinta anos e outras tantas
reformas depois, o thatcherismo é responsabilizado, mesmo
por alguns de seus defensores,
por criar as bases econômicas e
ideológicas que iniciaram o
processo que desaguou na atual
crise econômica global.
Exatamente como a sua inspiradora, no entanto, o thatcherismo -o atual consenso
sobre a melhor relação possível
entre Estado, economia e sociedade- não voltará atrás, dizem economistas e historiadores ouvidos pela Folha.
Com o mesmo fervor com
que combateu a inflação, Thatcher levaria adiante políticas
de privatização, destruição dos
sindicatos e desregulamentação financeira que mudariam a
relação dos cidadãos comuns
com o mercado.
Um amplo processo de privatizações reduziu a contribuição
de empresas estatais para o
PIB do país de 9%, em 1979, para 3,5%, em 1990. A venda de
ações das novas empresas privadas contribuiu para que a
parcela da população adulta
com ações de negócios britânicos passasse de 7%, em 1979,
para 22% em 1993.
Outro impulso para o mercado financeiro veio em 1986,
quando o governo desregulamentou os preços de serviços
financeiros na bolsa de valores
londrina. O fim do "tabelamento" incentivou a disputa entre
bancos e financeiras pelas carteiras dos investidores. Os impostos sobre ganhos financeiros também foram reduzidos.
A soma das novas medidas,
diz Tim Leunig, professor de
história econômica da London
School of Economics, atraiu
novos bancos e empresas financeiras para a praça londrina e "os volumes de negócios
aumentaram enormemente".
Ao mesmo tempo, reformas
na legislação trabalhista restringiram a liberdade de greve
e o poder dos sindicatos. "A
quebra da espinha do movimento sindical fez a economia
voltar a respirar", diz Eduardo
Giannetti, professor do Ibmec-SP. "O tipo de bloqueio que faziam à modernização da economia destruía o país."
O economista, no entanto, vê
na reforma financeira o calcanhar de Aquiles do thatcherismo. "A desregulamentação foi
longe demais. Nesse ponto o
"modelo Thatcher", na verdade
implementado de maneira incremental [também em outras
partes e por outros governos],
foi longe demais."
Efeitos combinados
Para Massimo Florio, economista da Universidade de Milão, "as raízes da crise atual se
relacionam com a combinação"
de algumas políticas de Thatcher, especialmente as reformas sindicais e financeiras.
"O enfraquecimento dos sindicatos pode ter tido algum resultado positivo, já que eles resistiam a reformas corporativas que eram necessárias", diz.
"Mas o efeito principal foi
contribuir para um decréscimo
da renda do trabalho, e para
uma distribuição de renda pior.
Isso criou as bases para dívidas
insustentáveis pelas famílias,
que tinham que recorrer a hipotecas e cartões de crédito,
que por muitos anos fomentaram um crescimento artificial."
Os efeitos dessa reconfiguração não foram só materiais
-para os críticos, a criação de
um país mais injusto e desigual;
para os seguidores, a revitalização de uma economia antes decadente e paralisada- mas
também ideológicos.
"Quando deixei a universidade, nenhum dos meus colegas
pensava em trabalhar com negócios. Isso mudou radicalmente", afirma o historiador
inglês Kenneth Maxwell. "Não
creio que possamos voltar para
um modelo de Estado maior."
Segundo Tony Judt, professor da Universidade de Nova
York, "as mudanças partidárias
foram profundas". "Não há partido político que conte uma história diferente. Mesmo que haja agora maior pressão por gastos do governo, não há a pressuposição de que deve haver uma
forte presença do Estado na estrutura da vida econômica."
Também para Giannetti,
"não se voltará para o período
anterior". "Não há perspectiva.
A ideia de que o Estado empresário faz sentido acabou."
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