São Paulo, domingo, 03 de maio de 2009

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Thatcherismo resiste à crise que fomentou

Consenso ideológico alcançado pela ex-primeira-ministra, que chegou ao poder há 30 anos, resiste às turbulências atuais do capitalismo

Queda da renda do trabalho e boom financeiro criados por Thatcher, diz analista, explicam padrão de gastos a crédito e sua crise atual


RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

Quando Margaret Thatcher chegou ao poder, exatamente 30 anos atrás, a inflação caminhava para uma taxa anual de 18%, valor muito alto para os padrões históricos no Reino Unido. A nova primeira-ministra lançou mão, então, de uma das primeiras e mais radicais experiências de controle monetário dos preços.
Cortou drasticamente os gastos públicos e elevou taxas de juros, empurrando o país para uma forte recessão. A reação inicial foi de dúvidas e, mais tarde, de aberta oposição, mesmo dentro de seu partido. Preocupados com seus votos, os conservadores pressionavam.
Em 1980, numa conferência do partido, a Dama de Ferro deu uma resposta pública às expectativas então generalizadas de reversão da política econômica: "Se vocês querem dar meia-volta, que deem. A dama não dá voltas".
Trinta anos e outras tantas reformas depois, o thatcherismo é responsabilizado, mesmo por alguns de seus defensores, por criar as bases econômicas e ideológicas que iniciaram o processo que desaguou na atual crise econômica global.
Exatamente como a sua inspiradora, no entanto, o thatcherismo -o atual consenso sobre a melhor relação possível entre Estado, economia e sociedade- não voltará atrás, dizem economistas e historiadores ouvidos pela Folha.
Com o mesmo fervor com que combateu a inflação, Thatcher levaria adiante políticas de privatização, destruição dos sindicatos e desregulamentação financeira que mudariam a relação dos cidadãos comuns com o mercado.
Um amplo processo de privatizações reduziu a contribuição de empresas estatais para o PIB do país de 9%, em 1979, para 3,5%, em 1990. A venda de ações das novas empresas privadas contribuiu para que a parcela da população adulta com ações de negócios britânicos passasse de 7%, em 1979, para 22% em 1993.
Outro impulso para o mercado financeiro veio em 1986, quando o governo desregulamentou os preços de serviços financeiros na bolsa de valores londrina. O fim do "tabelamento" incentivou a disputa entre bancos e financeiras pelas carteiras dos investidores. Os impostos sobre ganhos financeiros também foram reduzidos.
A soma das novas medidas, diz Tim Leunig, professor de história econômica da London School of Economics, atraiu novos bancos e empresas financeiras para a praça londrina e "os volumes de negócios aumentaram enormemente".
Ao mesmo tempo, reformas na legislação trabalhista restringiram a liberdade de greve e o poder dos sindicatos. "A quebra da espinha do movimento sindical fez a economia voltar a respirar", diz Eduardo Giannetti, professor do Ibmec-SP. "O tipo de bloqueio que faziam à modernização da economia destruía o país."
O economista, no entanto, vê na reforma financeira o calcanhar de Aquiles do thatcherismo. "A desregulamentação foi longe demais. Nesse ponto o "modelo Thatcher", na verdade implementado de maneira incremental [também em outras partes e por outros governos], foi longe demais."

Efeitos combinados
Para Massimo Florio, economista da Universidade de Milão, "as raízes da crise atual se relacionam com a combinação" de algumas políticas de Thatcher, especialmente as reformas sindicais e financeiras.
"O enfraquecimento dos sindicatos pode ter tido algum resultado positivo, já que eles resistiam a reformas corporativas que eram necessárias", diz.
"Mas o efeito principal foi contribuir para um decréscimo da renda do trabalho, e para uma distribuição de renda pior. Isso criou as bases para dívidas insustentáveis pelas famílias, que tinham que recorrer a hipotecas e cartões de crédito, que por muitos anos fomentaram um crescimento artificial."
Os efeitos dessa reconfiguração não foram só materiais -para os críticos, a criação de um país mais injusto e desigual; para os seguidores, a revitalização de uma economia antes decadente e paralisada- mas também ideológicos.
"Quando deixei a universidade, nenhum dos meus colegas pensava em trabalhar com negócios. Isso mudou radicalmente", afirma o historiador inglês Kenneth Maxwell. "Não creio que possamos voltar para um modelo de Estado maior."
Segundo Tony Judt, professor da Universidade de Nova York, "as mudanças partidárias foram profundas". "Não há partido político que conte uma história diferente. Mesmo que haja agora maior pressão por gastos do governo, não há a pressuposição de que deve haver uma forte presença do Estado na estrutura da vida econômica."
Também para Giannetti, "não se voltará para o período anterior". "Não há perspectiva. A ideia de que o Estado empresário faz sentido acabou."


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