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Vitória de 1967 pesa sobre Israel
Guerra dos Seis Dias, que completa 40 anos, deixou ao Estado israelense legado de intranqüilidade
Inicialmente fora dos planos, expansão territorial causou conflitos entre povos e gerou fanatismo que persistem até hoje
MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A JERUSALÉM
A guerra que não terminou
completa, na próxima terça-feira, quatro décadas de feridas
abertas. Em apenas seis dias,
em junho de 1967, Israel derrotou três Exércitos árabes, conquistou territórios que ampliaram seu tamanho em quase
três vezes e afastou pela força
das armas o fantasma de ser riscado do mapa que rondava sua
jovem existência desde a fundação, 19 anos antes.
A vitória militar incontestável, entretanto, criou armadilhas políticas das quais até hoje
Israel não conseguiu se livrar.
Mesmo quem pouco sabe do
conflito árabe-israelense e
nunca ouviu falar da Guerra
dos Seis Dias conhece suas conseqüências. Quarenta anos depois, elas continuam a ditar os
humores políticos da região: assentamentos israelenses, êxodo de refugiados, fanatismo judeu, terror islâmico -tudo isso
sob o pano de fundo de uma
ocupação que causa confrontos
diários entre os dois povos e
uma dolorosa fratura interna
em ambos os lados.
A divisão, pelo menos entre
os israelenses, demorou alguns
anos para começar. Naqueles
dias de 1967, a esmagadora
maioria considerou a meteórica vitória um presente divino.
"Antes da guerra, Israel chegara a seu ponto mais baixo. O
país mergulhara numa grave
crise econômica e em depressão coletiva. O sonho sionista
parecia ir por água abaixo",
lembrou à Folha o jornalista e
historiador Tom Segev, que
acaba de lançar um catatau de
600 páginas sobre a guerra.
No sétimo dia, havia um novo Israel. Confiante, temido
pelos inimigos, respeitado pelas potências. Acima de tudo,
com um território de dimensões inimagináveis até alguns
dias antes. Do Egito, o principal inimigo, conquistou a península do Sinai e a faixa de Gaza. Da Síria, tomou as colinas
do Golã. Da Jordânia, ficou
com a Cisjordânia, que incluía
Jerusalém Oriental e outros lugares sagrados para os judeus.
Milagre
A chave da vitória foi a destruição da aviação egípcia. Após
meses de retórica agressiva do
presidente do Egito, Gamal Abdel Nasser, os líderes israelenses decidiram atacar primeiro.
Em horas, a aviação egípcia inteira pegava fogo ainda no chão.
A unificação de Jerusalém,
no terceiro dia, foi decisiva para
criar a aura de milagre. "Mesmo quem não era religioso ficou emocionado", diz Menachem Adar, repórter da TV israelense que foi um dos primeiros soldados a chegarem ao
Muro das Lamentações, na
época sob domínio jordaniano.
Euforia de um lado, humilhação do outro. Enquanto os regimes árabes derrotados tentavam justificar o fracasso ampliando a retórica anti-Israel,
os palestinos engrossavam sua
segunda grande onda de refugiados em menos de vinte anos.
"Apesar do choque, os palestinos tiveram um ganho inesperado, pois passaram a ficar
sob uma só administração.
Houve um intercâmbio maior
entre a Cisjordânia e Gaza.
Além disso, a ocupação acabou
consolidando a identidade palestina em torno da luta contra
Israel", diz Mahdi Abdul Hadi,
diretor de um centro de estudos palestino em Jerusalém.
Inebriados pelo sucesso, os
israelenses contrariaram sua
própria lógica. Autor de um elogiado livro sobre os assentamentos judaicos, sintomaticamente chamado "The Accidental Empire" (o império acidental), Gershom Gorenberg afirma que o Exército não queria
uma guerra, muito menos conquistar territórios.
Tom Segev vai mais longe.
Segundo arquivos recém-abertos, a que ele teve acesso, o
Exército israelense havia feito
um estudo meses antes concluindo que conquistar os territórios palestinos seria desastroso. O "império acidental",
portanto, nasceu de uma decisão tomada no calor da batalha.
Para muitos israelenses, uma
decisão que cobra um preço altíssimo até hoje. A ocupação
mergulhou Israel num mundo
obscuro de barreiras e opressão
militar, que arranhou a imagem do país, abalou o moral do
Exército e provocou uma profunda divisão no povo. No caso
mais extremo, um radical judeu
assassinou o premiê Yitzhak
Rabin porque ele ousou ceder
território.
"Vencemos a batalha, mas
perdemos a guerra", sentencia
o cientista político israelense
Gershon Baskin. Israel cada vez
mais se aproxima da conclusão
de que sua maior vitória militar
foi o maior golpe ao sonho de
ter um país "normal".
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