São Paulo, domingo, 03 de agosto de 2008

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Chinês faz sucesso ensinando inglês entre gritos e bordões

Método, apelidado "Crazy English", já foi usado por ao menos 20 milhões de pessoas

Li Yang, 39, dá aulas para até 30 mil compatriotas ao mesmo tempo; lições duram o dia inteiro, mas resultados práticos são questionáveis

RAUL JUSTE LORES
ENVIADO ESPECIAL A QINGYUAN

Uma longa fila se organiza para a chamada oral matinal. Só após pronunciar corretamente algumas frases em inglês é que os alunos têm direito a tomar o seu café da manhã.
No almoço, no jantar e antes de dormir, o pequeno teste se repete: professores organizam dezenas de alunos em filas, e os garotos precisam gritar seu texto já decorado. A fome pode esperar enquanto houver escorregões na pronúncia.
A colônia de verão "Crazy English" (inglês louco) atraiu 600 estudantes de toda a China. Estuda-se inglês das sete da manhã às dez da noite, com pausa para uma soneca de uma hora após o almoço.
A grande atração é Li Yang, 39. Mais popular professor de inglês da China, ele criou o "Crazy English", um método de aprender inglês literalmente gritando, que já vendeu 20 milhões de livros, CDs e DVDs no país. Exagerado, ele disse à Folha que seu material já foi usado por 100 milhões de chineses.
Com suas aulinhas de inglês, Li virou celebridade. Dá cursos ao ar livre para grupos de 20 mil a 30 mil pessoas de uma vez e até ministrou uma aula em plena Muralha da China para soldados do Exército. Ele pode faturar o equivalente a R$ 250 mil em uma única dessas aulas para multidões.
"Durante décadas, ouvimos que o inglês era o idioma do capitalismo e do império, mas hoje sabemos que o inglês é o idioma das oportunidades", diz. Até os anos 70, o russo era o segundo idioma ensinado nas escolas, graças à afinidade ideológica com a União Soviética.
Hoje, de caixas de supermercado a motoboys, é comum ver pessoas bem simples tentando praticar o inglês com estrangeiros. Há 400 milhões de chineses estudando inglês, mas a maioria não consegue falar quase nada.

"Não decepcione seu país"
É em ação que o carisma de Li se revela. Se o padre Marcelo Rossi abandonasse a batina para dar aulas de inglês com seu fervor, não seria muito diferente do que é Li no palco. Até professor de cursinho no Brasil perde.
Li pula, faz grandes gestos com as mãos tentando explicar as vogais do inglês. "Chaaaaaaange, cuuuuuuuulture", exclama. Os alunos repetem as frases, que geralmente misturam auto-ajuda com nacionalismo chinês.
"Não decepcione o seu país", "Eu quero espalhar a cultura chinesa pelo mundo", "Crazy English mudou minha vida e me deu confiança" são entoadas em inglês à exaustão.
No refeitório, nos corredores e nos dormitórios da escola particular alugada para o curso intensivo, há fotos de Li espalhadas por todos os cantos. As legendas são mantra motivacional: "Aperfeiçoar totalmente o inglês é a melhor forma de amar o seu país" e "A maior honra é superar dificuldades".

Fanatismo
Alunos choram e dão depoimentos no palco, relatando como o inglês mudou suas vidas, o que reforça o clima religioso da aula. Adolescentes mais assanhadas quebram o rigor do momento, tirando fotos de Li Yang e dos atléticos professores australianos, que são facilmente confundidos com surfistas.
Todos brandem suas apostilas ao alto, como os chineses faziam no passado com o Livro Vermelho, repleto de citações do ditador Mao Tse-Tung (1949-1976) durante a Revolução Cultural -um dos momentos mais violentos da história da China, quando dissidentes eram perseguidos.
Tais rompantes são criticados no país, até pela imprensa oficial. Após publicar uma foto em que centenas de estudantes se ajoelharam com a cabeça no chão, em sinal de "gratidão" aos professores, 270 mil comentários foram postados em seu blog -a maioria criticava o "fanatismo religioso" inculcado aos alunos.
Professores menos conhecidos também atacam a eficácia do método. Argumentam que melhorar a pronúncia e dar confiança só funciona a quem já tem certo nível de conhecimento do idioma. Também dizem que, para iniciantes, pode se limitar bordões decorados em muitos decibéis.
Uma das empresas de Li Yang - ele tem uma equipe de 400 funcionários - foi contratada no ano passado pelo Comitê Organizador da Olimpíada de Pequim para treinar 100 mil voluntários. Mas ainda é raridade encontrar nas instalações olímpicas alguém que vá além do "welcome to Beijing".


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