São Paulo, domingo, 03 de setembro de 2000


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CIDADANIA ON LINE

Movimento hacktivista quer promover justiça social sem sair de casa, por meio da "ciberdesobediência civil"

Hackers aderem à militância política

BRENDAN I. KOERNER
DA "SALON"

Jello Biafra, ex-líder da banda punk Dead Kennedys, manteve centenas de hackers fascinados com um virulento discurso em que atacou, entre outras coisas, a Organização Mundial do Comércio (OMC) e as refeições de baixo preço da rede Taco Bell. "Usem a Internet para criar uma geração que não se deixa enganar pelo papo furado das grandes empresas", exortou à multidão reunida num hotel de Nova York.
O momento de celebridade de Biafra no H2K, um encontro norte-americano de hackers, foi um símbolo do crescente entusiasmo pela agitação política no underground computadorizado.
Primos ideológicos dos anarquistas e militantes ambientalistas que lideram o movimento antiglobalização, esses auto-intitulados hacktivistas sonham em promover a justiça social enquanto se escondem atrás de seus micros.
Em um fim de semana de julho, enquanto cerca de cem hackers se reuniam para uma discussão sobre o tema "ciberdesobediência civil", um grupo chamado "Gforce Pakistan" desfigurou 11 páginas pertencentes à Administração Oceânica e Atmosférica Nacional. O conteúdo do site foi substituído por exortações a favor da independência da Caxemira.
Vários hackers veteranos qualificam esses protestos como contraproducentes. "De tudo isso, 95% é papo furado", diz Andy Mueller-Maguhn, filiado ao grupo alemão Chaos Computer Club. "A mensagem fica ali uns cinco minutos. Depois temos que enfrentar investigação policial."
"Boa parte dessa garotada anda dizendo coisas tipo "cara, acabei de hackear uma página e deixar meu recadinho político"", diz Izaac, apresentador de um programa de rádio para hackers.
"Você pergunta qual é o recado deles, e eles respondem "ahn??"." A verdade é que, embora o slogan dos hacktivistas - "A revolução será digitalizada"- soe bem, a maioria dos tecnoprotestantes ainda não provou ser mais do que um bando de pestes.
Desorganizados, eles não estão engajados em atos de força real, capazes de assustar realmente os mandarins da globalização.
Embora o termo que o descreve tenha sido cunhado recentemente, o hacktivismo tem suas raízes na contracultura travessa dos anos 60. Greg Newby, professor de informática na Universidade da Carolina do Norte, diz que muitos hacktivistas possuem um pendor inato pela justiça social.
Um fator que complica as coisas é a natureza anárquica da cultura, que rejeita a autoridade centralizada. Não há um líder que organize a base para formar quadros hacktivistas disciplinados.
Para fomentar a harmonia entre as facções em rixa e, se possível, abrir caminho para a organização dos hacktivistas, Newby está supervisionando a criação do "Código Hacker". Ele inclui afirmações como "os hackers compartilham seus conhecimentos e se dispõem a ensiná-los", "os hackers frequentemente discordam da autoridade" -generalidades das quais é difícil discordar e que têm por objetivo forjar um território comum entre jovens e velhos, novatos e veteranos.
"Somos, potencialmente, uma grande força de transformação. Mas não vamos nos sair bem se não conseguirmos nos organizar um pouco", disse Newby, que programa computadores há quase duas décadas.
Durante o debate sobre "ciberdesobediência civil" na H2K, Dan Orr, da Escola Annenburg da Universidade da Pensilvânia, argumentou que as raízes do hacktivismo podem ser ligadas na história a figuras como Martin Luther King Jr. e Ghandi.
Uma vanguarda de hacktivistas mais velhos e mais profissionais já realizou proezas visíveis. O pioneiro nessa área é o Electronic Disturbance Theater (EDT, Teatro de Perturbação Eletrônica), um grupo pró-zapatista que ficou famoso em 1998, quando organizou uma "invasão pacífica virtual" do web site do então presidente mexicano, Ernesto Zedillo. O site cedeu e entrou em pane.
Mas o Cult of the Dead Cow, outro grupo pioneiro do hacktivismo, critica ações desse tipo, que descreve como violações da liberdade de expressão. Depois da invasão virtual do site da OMC, o membro do cDc Oxblood Ruffin publicou uma crítica a ataques desse tipo. "Não se transmite melhor um ponto de vista num fórum público quando se grita mais alto do que o adversário."
Oxblood trabalha no projeto "Hacktivismo", que pretende escrever aplicativos para passar por cima dos filtros de conteúdo impostos por governos totalitários.
Os hackers começam a aprender o palavreado radical da militância política. Em um debate do H2K, quando um deles declarou que, "se nos livrássemos de coisas como o capitalismo, a Internet seria incrível", houve um momento de silêncio, seguido por risos e aplausos ensurdecedores.

Tradução de Clara Allain


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