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JUSTIÇA
Segundo ativistas e juízes, abusos se concentram na Província de Buenos Aires, porém são prática generalizada
Polícia da Argentina utiliza técnicas de tortura da ditadura
ROGERIO WASSERMANN
DE BUENOS AIRES
Técnicas de tortura utilizadas na
última ditadura militar (1976-1983) e que se imaginavam desaparecidas havia muito tempo
continuam a ser utilizadas nas delegacias e prisões argentinas, segundo denúncias feitas nos últimos dias por uma entidade de defesa dos direitos humanos e por
um grupo de juízes federais.
As denúncias relatam casos
concretos de presos torturados
com choques elétricos, golpes,
ameaças com armas de fogo e o
chamado submarino, que consiste na asfixia com um saco plástico
colocado na cabeça.
A situação mais alarmante, segundo as denúncias, é verificada
na Província de Buenos Aires, na
qual o governador, Carlos Ruckauf, foi eleito em 1999 com um
discurso que prometia uma atuação mais dura contra a criminalidade. A Província de Buenos Aires, que não inclui a cidade de
Buenos Aires, capital federal, é a
mais populosa e mais rica das 23
Províncias argentinas.
"Constatamos a prática generalizada da tortura em todas as suas
formas de modo sistemático, no
âmbito das investigações e no trato com os presos, mais especialmente na Província de Buenos Aires, na qual se registra uma situação de violência estatal de clara
posição autoritária", diz um documento divulgado há duas semanas por quatro juízes federais.
De acordo com o juiz Rodolfo
Canicoba Corral, um dos signatários do documento sobre os abusos, a persistência da tortura policial é um "resquício autoritário na
formação policial".
"Não se deve esquecer que muitas autoridades de mais alta patente hoje eram funcionários policiais na época da ditadura militar.
Para uma mudança absoluta de
mentalidade, é preciso haver uma
persistência na educação e no reforço do respeito pelos direitos
humanos e pelos direitos individuais", disse ele à Folha.
Política de segurança
A existência de tortura e violência policial também foi denunciada pelo relatório anual do Centro
de Estudos Legais e Sociais (Cels),
uma das mais atuantes instituições de defesa dos direitos humanos do país, apresentado nesta semana.
"Esse comportamento não havia desaparecido em nenhum
momento depois da ditadura. Na
Província de Buenos Aires, após a
mudança de governo, no fim de
1999, a situação foi agravada pela
política de segurança adotada",
diz o advogado Rodrigo Borda,
membro do Programa de Violência Institucional e Segurança Cidadã do Cels.
Segundo ele, muitos dos responsáveis hoje pela política de segurança na Província tiveram
participação ativa nas forças de
segurança durante a última ditadura no país.
O primeiro secretário de Segurança do governador Ruckauf,
demitido após alguns meses, foi o
ex-coronel do Exército Aldo Rico,
líder das chamadas rebeliões militares "carapintadas" contra o governo do então presidente Raúl
Alfonsín, em 1987 e 1988, em protesto contra o julgamento dos
membros do governo militar.
"O governo provincial organizou uma luta contra a delinquência com uma estratégia de guerra.
Não acredito que o governador
apóie a ocorrência de tortura, mas
os policiais se sentem livres para
torturar ao pensar que têm respaldo político para isso", afirma
Borda.
A gravidade dos casos levou a
Defensoria Pública da Província a
organizar uma base de dados, que
relaciona 602 casos de tortura entre março de 2000 e junho deste
ano. Desses, apenas 340 foram denunciados pelas vítimas diretamente. Os demais foram denunciados pelos defensores públicos,
já que muitos presos têm medo de
represálias.
Segundo Borda, o fato de a situação na Província de Buenos
Aires ser mais preocupante não
significa que não haja preocupação sobre os demais âmbitos policiais. "A tortura é uma prática generalizada", afirma.
A secretaria de Segurança da
Província de Buenos Aires foi
procurada pela Folha para comentar as acusações, mas não havia dado uma resposta até o fim
da tarde de ontem.
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