São Paulo, sábado, 03 de setembro de 2011

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PAUL KRUGMAN

Eric e Irene


Líder republicano nos EUA usa sofrimento de vítimas do furacão como arma de chantagem política


"Será que não lhe resta uma gota de decência?" Essa é a famosa pergunta que Joseph Welch fez ao senador John McCarthy quando o demagogo caçador de comunistas tentava arruinar mais um cidadão inocente.
E é essa a pergunta que gostaria de fazer hoje ao deputado Eric Cantor, líder da maioria republicana na Câmara dos Deputados, que mais do que ninguém se esforçou para fazer da chantagem política -o uso de norte-americanos inocentes como reféns- o método padrão de operações do Partido Republicano.
Há algumas semanas, Cantor representava a linha-dura no confronto quanto a elevar o limite da dívida.
Estava disposto a colocar em risco a credibilidade financeira dos EUA para extrair concessões orçamentárias do presidente Obama.
Agora volta a fazê-lo com relação à assistência para as vítimas do furacão Irene, ao insistir em que qualquer auxílio federal seja compensado por cortes em outros gastos. Na prática, ele ameaça tomar como reféns os atingidos pelo desastre.
Os críticos de Cantor não demoraram a acusá-lo de hipocrisia, e com bons motivos. Afinal, ele e seus colegas republicanos não demonstraram interesse comparável na hora de aprovar o pagamento das grandes iniciativas do governo Bush para as quais não havia verbas.
Foram especialmente omissos quanto a cortes que compensassem o custo da guerra no Iraque, que já chegaram aos US$ 800 bilhões.
Mas a hipocrisia é questão secundária. A questão primária deveria ser o extraordinário niilismo exibido por Cantor e seus colegas -sua disposição de abandonar a decência para conseguir o que desejam.
Não muito tempo atrás, um partido que buscasse controlar a política tentaria atingir esse objetivo desenvolvendo apoio popular às suas ideias e depois implementando-as por meio de leis. Mas os republicanos atuais decidiram ignorar isso.
Conseguem o que querem ameaçando prejudicar os EUA caso suas exigências não sejam aceitas.
É claro que ele deseja que acreditemos que está apenas tentando impor responsabilidade fiscal.
A assistência a vítimas de desastre deveria ser compensada por cortes imediatos em outros despesas?
Não. O princípio que economistas sensatos sempre defenderam, na direita e na esquerda, é o de que surtos temporários de gastos são razão suficiente para operar temporariamente com deficit.
Os governos deveriam distribuir esse fardo ao longo do tempo, captando recursos agora e os pagando gradualmente por meio de uma combinação de gastos menores e impostos mais altos.
Pode ser que Cantor termine recuando. Mas isso não eliminará a questão mais ampla: o que acontecerá com os EUA agora que pessoas como Cantor ditam os rumos de um de seus dois grandes partidos?
E sim, quero dizer só um dos partidos. Há muito de negativo a dizer sobre os democratas. Pode até haver algum no Congresso tão disposto quanto Cantor a atingir seus objetivos por meio de chantagem (embora nenhum nome me ocorra).
Mas, caso existam, não ocupam posições de liderança. Cantor ocupa. E isso deveria preocupar qualquer pessoa que se preocupe quanto ao futuro do país.

Tradução de PAULO MIGLIACCI

AMANHÃ EM MUNDO
Clóvis Rossi


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