São Paulo, domingo, 03 de outubro de 2004

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SAÚDE

Pela primeira vez nos EUA, relatório sobre obesidade infantil tira o foco da vida privada e pede ampla ação da sociedade

Culpa por obesidade é pública, diz relatório

MARIAN BURROS
DO ""NEW YORK TIMES", EM WASHINGTON

Um relatório abrangente sobre as causas e soluções da obesidade infantil nos Estados Unidos adotou uma nova abordagem em relação à epidemia. Divulgado na última quinta-feira por um grupo de pesquisadores de alto nível, o relatório, em lugar de focalizar a responsabilidade pessoal, pede uma estratégia ampla da sociedade para combater o problema.
Elaboradas pelo Instituto de Medicina das Academias Nacionais, as propostas incluem a oferta de refeições mais saudáveis em escolas e restaurantes, mais oportunidades para a prática da educação física em escolas e comunidades, restrições aos anúncios de televisão voltados às crianças e a formação de profissionais de saúde e educação de crianças no sentido de ajudá-los a tomar escolhas melhores.
"Centrar as atenções no ambiente, e não apenas nos indivíduos, representa um avanço", disse Kelly Brownell, diretora do Centro Yale de Desordens Alimentares e de Peso. "O enfoque múltiplo adotado pelo comitê, de modo que a nutrição não seja apenas responsabilidade pessoal, torna-o inovador. Enfrentar forças tão poderosas quanto a indústria alimentícia pode ser um desafio real."
Nos últimos 30 anos, o índice de obesidade infantil -considerada um peso que seja 30% ou mais acima do peso corporal ideal- triplicou entre crianças de 6 a 11 anos de idade, chegando a mais de 15%, de acordo com o relatório. Os índices de obesidade dobraram nas crianças que têm 2 a 5 anos de idade, chegando a mais de 10%, e, no caso da faixa de 12 a 19 anos, a mais de 15%.

Menos resistência
O relatório foi apresentado ao Congresso na quarta-feira. O senador democrata Tom Harkin (Iowa), presidente do comitê que encomendou o relatório em 2002, disse pensar que as partes polêmicas das recomendações, como as restrições à publicidade, encontrarão menos resistência hoje do que quando ele propôs uma legislação semelhante, 25 anos atrás.
""Tenho esperanças de que a situação será diferente hoje, porque estamos atingindo uma massa crítica", disse Harkin. "Se contarmos com a liderança correta da Casa Branca, dos Serviços de Saúde e Humanos e do Departamento de Agricultura, acho que poderemos fazer avanços grandes em pouco tempo."
Embora apóiem a idéia do relatório, duas associações comerciais do setor alimentício, a Associação Nacional dos Processadores de Alimentos e A associação dos Produtores de Secos e Molhados dos EUA, pronunciaram-se contra algumas recomendações. Os grupos são contra a adoção de restrições e mensagens negativas.
Os processadores de alimentos disseram que são contrários à adoção de critérios nutricionais nas escolas que rotulariam mais produtos como alimentos positivos ou negativos.
Em nota à imprensa, o grupo dos secos e molhados disse que, para modificar comportamentos, ""teremos que enfatizar mensagens e ferramentas positivas e motivadoras em toda a sociedade, e não depender de restrições oficiais ou mensagens negativas".
Mas o comitê de 19 membros acredita que a indústria alimentícia poderia ser convencida a modificar sua posição à medida que as normas sociais mudam.
""Estamos numa etapa inicial desse processo", disse Jeffrey Koplan, vice-presidente de assuntos relativos a saúde acadêmica na Universidade Emory, em Atlanta, e presidente do comitê.
"Acho que precisamos operar uma revolução em nossa sociedade. O que constatamos no caso de outras questões de saúde -a fluoração da água, a adoção de capacetes para andar de bicicleta, o fumo- é que se desenvolvem mudanças na sociedade e apenas depois disso ocorre uma mudança no que é socialmente aceitável", afirmou.
Assim como foram necessárias décadas para mudar a atitude pública em relação ao cigarro, disse Koplan, ex-diretor do Centro de Controle e Prevenção de Doenças, serão necessárias décadas para modificar a atitude pública em relação às causas da obesidade.
As recomendações do comitê são as seguintes:
- A promulgação de critérios nutricionais que se aplicariam a todos os alimentos e bebidas servidos nas escolas, e o desenvolvimento de programas para ensinar educação para a saúde, com a avaliação anual do peso dos alunos.
- Ampliação da atividade física dos alunos nas escolas para pelo menos 30 minutos diários.
- Desenvolvimento e adoção voluntária de diretrizes de publicidade e marketing voltados para crianças.
- Autorização da Comissão Federal de Comércio para monitorar as diretrizes.
- Disponibilidade de mais opções de alimentos e bebidas saudáveis e que incluam informações nutricionais.
- Programas comunitários para promover a nutrição e atividades físicas regulares, com mudanças no zoneamento para incluir calçadas, ciclovias, parques e playgrounds.
- Disponibilidade de alimentos saudáveis nas residências; os pais devem incentivar a atividade física dos filhos e limitar para menos de duas horas diárias o tempo que estes passam assistindo à televisão, jogando videogames e usando computadores.
- Criação de uma força-tarefa federal interagências para coordenar as atividades.
Shiriki Kumaniyika, reitor-adjunto de promoção de saúde e prevenção de doenças na Escola de Medicina da Universidade da Pensilvânia, também integrante do comitê, disse que o problema não pode ser tratado por partes. ""Para que as recomendações funcionem, é preciso que nenhuma delas seja removida", disse Kumaniyika.


Tradução de Clara Allain


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