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ARTIGO
O próximo secretário-geral
BRIAN URQUHART
PARA A "FOREIGN AFFAIRS"
O mandato do secretário-geral da ONU, Kofi Annan, termina em dezembro próximo, e até
o final do ano o Conselho de Segurança precisa recomendar
seu sucessor, que então terá
que ser indicado pela Assembléia Geral. Que tipo de pessoa
a ONU deveria escolher? O cargo é um misto de vários trabalhos em tempo integral, e é impossível esperar que os candidatos sejam qualificados para
todos eles. Assim, a ênfase da
busca deve ser voltada às qualidades pessoais básicas dos candidatos e a sua capacidade a
responder a desafios, mais do
que a qualificações específicas
-a caráter e potencial, mais do
que a experiência específica.
A história já mostrou que um
grande secretário-geral não
apenas é importante para a
ONU como constitui um bem
inestimável para o mundo. A
Carta da ONU, redigida em San
Francisco em 1945, era fundamentada na premissa de que os
aliados da 2ª Guerra Mundial
continuariam aliados e se tornariam a espinha dorsal da nova organização mundial. Mas as
crescentes tensões entre EUA e
União Soviética em pouco tempo fraturaram a aliança, e nos
40 anos seguintes a ONU foi
obrigada a improvisar outras
maneiras de manter a paz e a
segurança internacionais. Uma
parte importante dessa improvisação tem sido a ampliação
do papel do secretário-geral.
A Carta da ONU descrevia o
secretário-geral da organização
simplesmente como seu "CEO"
[chief executive officer]. Ela
não fornecia diretrizes quanto
aos aspectos específicos do cargo, a duração do mandato ou o
processo pelo qual seria escolhido seu ocupante. A única coisa que ficou mais ou menos clara desde o início era que o cargo
seria extremamente importante. Mas o primeiro secretário-geral, o norueguês Trygve Lie,
tinha um histórico pouco impressionante. Era vítima das
tensões da Guerra Fria.
Foi só em 1953 -após a morte de Stálin, e quando a Guerra
da Coréia estava chegando ao
fim- que as circunstâncias se
tornaram propícias para que o
secretário-geral desempenhasse um papel importante.
Naquele ano, o virtualmente
desconhecido Dag Hammarskjvld, ex-chanceler da
Suécia, sucedeu a Lie. Embora
tivesse sido escolhido porque
considerou-se que fosse alguém que teria pouca probabilidade de exercer grande impacto, Hammarskjvld, que tinha 45 anos na época, revolucionou a ONU e o cargo de secretário-geral. Suas primeiras
vitórias diplomáticas, como
conseguir a libertação de prisioneiros de guerra americanos
mantidos pelo governo comunista da China, demonstraram
o potencial do Secretariado Geral e convenceram Washington
de que um secretário-geral independente e influente teria
grande valor para os Estados
Unidos. Em seus mais de oito
anos à frente da ONU, Hammarskjvld converteu seu cargo
de um posto predominantemente burocrático em um cargo político, diplomático e humanitário cuja amplitude de
ação não era circunscrita.
Pós-Guerra Fria
Desde que o fim da Guerra
Fria libertou a ONU do impasse
ideológico em que passou décadas atolada, a estatura do Secretariado Geral só tem feito
crescer. Esse fato, por sua vez,
levou a organização a começar
a atuar na manutenção da paz e
a assumir missões mais ambiciosas. O secretário-geral Kofi
Annan, cujo mandato termina
em dezembro, tem sido extremamente ativo, envolvendo-se
em uma série de emergências
políticas, militares e humanitárias. Além disso, ele tem feito
esforços criativos para fazer a
organização ingressar no século 21. Após o genocídio de
Ruanda, em meados dos anos
90, ele acabou por conseguir
que os membros da ONU aceitassem a "obrigação de proteger" populações que sofressem
tratamentos inumanos ou genocídio (infelizmente, esse
acordo tem se mostrado de difícil aplicação no caso de Darfur).
Pouca coisa foi feita para tornar mais eficiente a loteria que
se faz passar por um sistema de
seleção de um sucessor de Annan. Ainda não existe procedimento formal para a procura,
indicação ou escrutínio de candidatos, e tampouco há qualquer dispositivo para que o
Conselho de Segurança entreviste os aspirantes ao cargo.
Existe uma idéia mais ou menos generalizada de que o próximo secretário-geral deve ser
asiático, mas não deve estar excluído qualquer candidato excepcional de outra região do
mundo. Infelizmente, mas como é de costume, já se apresentaram vários candidatos auto-indicados ou indicados por
seus países, desencorajando o
Conselho a conduzir uma busca mais séria pela pessoa certa.
Perfil multifacetado
Que tipo de pessoa seria essa? O cargo é a combinação de
vários empregos em tempo integral, e seria impossível esperar que os candidatos fossem
plenamente qualificados para
todos eles. Desde a confusão
em torno do programa Petróleo
por Comida, no Iraque, foi sugerido que o próximo secretário-geral deveria ser um executivo-chefe de orientação administrativa. Mas a administração
é apenas uma parte de um trabalho muito complexo e predominantemente diplomático, e
essa tarefa deveria ficar a cargo
do vice-secretário-geral.
O cargo do secretário-geral
vem acompanhado de grande
responsabilidade e altas expectativas -mas pouco poder. Em
um cargo como esse, é preciso
uma personalidade grandiosa e
incomum para exercer a liderança inspiradora, moderadora, coerente e, quando necessário, prática e criativa em um
mundo que se defronta com
problemas novos e extremamente difíceis. Assim, a ênfase
deve ser no caráter e potencial
dos candidatos, mais que em
sua experiência específica.
Aqueles que ocupam o cargo
podem crescer e desenvolver-se de maneira inesperada. Ninguém, talvez nem mesmo o
próprio Hammarskjvld, previu
a transformação deste de funcionário governamental obediente em carismático líder
mundial. Tal homem ou mulher poderia vir de praticamente qualquer lugar, mas é virtualmente impossível identificar esse tipo de potencial de antemão. Mesmo na política nacional, é sabidamente difícil
prever no início quem vai se
transformar num líder de importância histórica.
Os membros do Conselho de
Segurança, com a ajuda dos outros membros da ONU, devem
-desde que dediquem tempo,
reflexão e consultas mútuas suficientes ao assunto- conseguir chegar a um acordo quanto
a um novo secretário-geral capaz de fazer frente aos muitos
desafios que acompanham o
cargo, alguns dos quais inesperados. O tempo mostrará se seu
escolhido fará mudanças reais
na maneira como o mundo lida
com os problemas ligados à paz,
justiça, padrões de vida e direitos humanos.
BRIAN URQUHART foi subsecretário-geral da
ONU de 1972 a 1986. Uma versão mais longa
deste artigo está na edição de setembro/outubro da "Foreign Affairs"
Tradução de CLARA ALLAIN
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