São Paulo, segunda-feira, 03 de outubro de 2011

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros

A mudança está no ar

Palestinos da Síria torcem pela Primavera Árabe, mas adotam cautela quanto à possibilidade de ela derrubar ditador do país

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A DAMASCO

Encarando um prato de arroz e carneiro num restaurante do campo de refugiados palestino de Yarmouk, em Damasco, Karim quase engasga quando lhe perguntam se ele se considera sírio.
"Claro que não!", irrita-se, soltando um sonoro palavrão. Nascido e criado em Yarmouk, o maior campo de refugiados palestino da Síria, Karim, 23, é a imagem de uma comunidade ilhada em seu tortuoso nacionalismo.
Abrigados pelo regime, com quem mantêm uma delicada relação de conveniência mútua, os 500 mil palestinos da Síria andam numa corda mais bamba desde que começou a Primavera Árabe.
Por um lado, não escondem seu entusiasmo com as revoluções que já derrubaram três ditadores. Acreditam que a nova ordem regional pode acelerar a volta à terra de seus antepassados.
"É a melhor coisa que poderia acontecer aos palestinos", diz Abdel, 56. "Veja o que está acontecendo no Egito. Os governos árabes serão forçados pelo povo a pressionar Israel."
Dono de uma pequena loja de cosméticos numa viela de Yarmouk, Abdel ouviu tantas histórias do pai que descreve em detalhes a casa dos pais em Tsfat, mesmo sem nunca ter estado lá.
Cada um dos amigos sentados em torno de um bule de chá em frente à loja de Abdel tem memórias semelhantes. Nenhum leva muita fé no pedido de reconhecimento da Palestina na Organização das Nações Unidas.
"Não é o caminho", diz Mohamad, 76, nascido em Haifa. "Mesmo que seja aprovado, será um Estado no papel.
Só a força dos países árabes levará a um Estado de verdade. Por isso a Primavera Árabe nos dá esperança."
Quando o assunto é o levante contra o ditador sírio, Bashar Assad, a cautela substitui a euforia.
Ainda que não faltem palestinos que apoiam os protestos contra o ditador, sua queda pode gerar uma onda de vingança contra os "protegidos" de Assad.
Ninguém esquece a perseguição sofrida pelos palestinos no Iraque, após a queda de Saddam Hussein.
Muitos, aliás, fugiram para a Síria.
"Os palestinos sempre pagam a conta", resigna-se Mohamad Aboyouness, porta-voz na Síria de relações internacionais do Fatah, partido liderado pelo presidente Mahmoud Abbas.

MINIPALESTINA
Um arco de metal com as bandeiras da Síria e da Palestina e um grande retrato do ditador Hafez Assad, pai do atual líder, indica a entrada do campo de refugiados de Yarmouk, um dos nove mantidos pela ONU no país.
Poderia ser apenas mais um bairro de Damasco, mas Yarmouk é uma reprodução em miniatura da Palestina dentro de Damasco -incluindo as divisões políticas.
Se em algumas ruas predominam as fotos de Yasser Arafat, histórico líder do Fatah, em outras há imagens dos heróis do Hamas, como o fundador do movimento islâmico, Ahmed Yassin.
Em Yarmouk reproduz-se a rivalidade dos dois grupos, que rachou os palestinos entre a Cisjordânia e a faixa de Gaza. Rejeitado pelo Hamas, o pedido de Abbas na ONU só reforçou a animosidade.
Mas para o escritório do Hamas na Síria, que divide a liderança do grupo com Gaza, a revolta contra Assad traz preocupações mais imediatas do que a ONU.
Uma situação que exige talentos de equilibrista. Enquanto é pressionado a defender o regime, não tem como esconder sua ligação umbilical com a Irmandade Muçulmana, grupo banido na Síria, que se opõe a Assad.
Dirigentes do Hamas negam rumores de que estejam arrumando as malas. Mas está claro que a "primavera síria" colocou no congelador sua relação com o regime.
Antes dos protestos, Khaled Meshal, principal dirigente do grupo na Síria, era figura fácil na vida social de Damasco. A ponto de ser incluído nas listas de convidados para recepções diplomáticas -inclusive do Brasil.
Agora, a casa de Meshal em Yarmouk é vigiada pelas forças de segurança, que espreitam cada passo seu.


Texto Anterior: Entidades querem criar curso de formação de líderes no Brasil
Próximo Texto: Frase
Índice | Comunicar Erros



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.