São Paulo, sexta-feira, 03 de novembro de 2006

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Brasileiros são premiados em concurso anti-semita

Competição de cartuns foi resposta do Irã à publicação de charges do profeta Maomé

Três cartunistas do Brasil tiveram prêmios; desenhos destacados pelo júri vão de críticas às políticas de Israel à negação do Holocausto

Reprodução
Cartum do brasileiro Carlos Latuff, segundo lugar no concurso


DA REDAÇÃO

Três brasileiros foram premiados, um deles em segundo lugar, em um concurso de charges sobre o Holocausto promovido por um jornal iraniano, com imagens em que ligam a atuação israelense em território palestino aos campos de concentração nazistas.
Outros dos 16 cartuns premiados negam ou relativizam a existência do Holocausto, em que seis milhões de judeus foram mortos pelos nazistas na Segunda Guerra Mundial.
O resultado do concurso foi anunciado na noite de quarta-feira. O prêmio principal foi dado ao marroquino Abdellah Derkaoui, que recebeu US$ 12 mil. Seu cartum mostra um tanque israelense levantando um muro com a imagem do campo de concentração de Auschwitz diante da mesquita de Al Aqsa, em Jerusalém.
O carioca Carlos Latuff dividiu com um francês identificado como A-chard o segundo lugar, com a imagem de um palestino com uniforme de prisioneiro de um campo de concentração. Os dois repartiram o prêmio de US$ 8.000. Os desenhos podem ser vistos no site www.irancartoon.com.
Os outros brasileiros premiados foram o gaúcho Eloar Guazzelli, em sétimo lugar, e um cartunista identificado apenas como Casso, em décimo quinto. Ambos ganharam três moedas de ouro, além de um troféu e uma menção honrosa. Vinte e um cartunistas do Brasil foram selecionados no concurso, atrás apenas do Irã (157) e da Turquia (31).
O concurso foi organizado pelo jornal "Hamshari", em resposta à publicação em janeiro, por um diário dinamarquês, de charges do profeta Maomé. As charges causaram uma onda de protestos violentos no mundo muçulmano. Mais de 150 pessoas morreram em semanas de manifestações.
A iniciativa teve o apoio do presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, que em diversas ocasiões questionou a ocorrência do Holocausto, chamando-o de um "mito", e disse que Israel era uma "árvore podre" que deveria ser "apagada do mapa".
A competição se dividiu entre charges francamente negacionistas do Holocausto e outras críticas do conflito israelo-palestino. A de A-chard mostra "o mito das câmaras de gás" derrubado pelo francês Robert Faurisson, propagandista do revisionismo.
A Folha tentou contatar Latuff e Guazzelli durante toda a tarde de ontem, sem sucesso.
Em entrevista à Folha Online quando foi lançado o concurso, em fevereiro, Guazzelli afirmou que aquela era uma oportunidade de expor sua opinião sobre as ações israelenses contra os árabes, que, segundo ele, "seguem a mesma lógica da máquina de guerra nazista". "Nunca participaria de um concurso anti-semita", disse o cartunista, cuja charge mostra um tanque israelense deixando um rastro de pequenas suásticas.
Neste ano, Guazzelli foi premiado em concurso de ilustradores promovido pela Folha.
Em nota enviada ao site Blue Bus, também em fevereiro, Latuff disse que sua participação no concurso "se deu para questionar os dois pesos e duas medidas no Ocidente em relação às charges de Maomé".
"Fazer caricaturas sobre profetas muçulmanos e o Islã é tido como liberdade de expressão, mas caricaturas sobre o Holocausto, que é um fato histórico e não um dogma religioso, é passível de cadeia. Também queria tratar dos holocaustos do dia-a-dia, como o do povo palestino, que vive sob ocupação israelense há décadas (...)", escreveu.
Israel reagiu à divulgação do resultado do concurso. "O regime iraniano infelizmente se juntou ao coro obsceno da negação do Holocausto", disse o porta-voz da Chancelaria, Mark Regev.
"É lamentável que nos dias de hoje, quando ainda há sobreviventes do nazismo, haja pessoas querendo minimizar a maior tragédia que se abateu sobre o povo judeu", disse à Folha Ben Abraham, presidente da Associação Brasileira dos Sobreviventes do Nazismo. Abraham também lamentou que brasileiros tenham "se juntado à batuta do maior inimigo de Israel [Ahmadinejad] participando desse concurso".
O governo do Irã rejeita as críticas: "Os cartunistas expressaram seu ódio contra os opressores e seu amor pelas vítimas", disse o ministro da Cultura, Hossein Saffar Harandi. Uma exposição das charges não atraiu muito público. "A exposição não teve impacto. Não foi uma preocupação nem dos estudantes nem da mídia", disse à agência AP Gohar Dashti, da Universidade de Artes Soureh, em Teerã.
(CAROLINA VILA-NOVA)


Com agências internacionais

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