São Paulo, sábado, 03 de novembro de 2007

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Seita bahá'i faz apelo à ONU contra Irã

Autoridades islâmicas negam discriminação que comunidade religiosa diz sofrer; membros falam em risco de morte

Para relatora da ONU, existe "discriminação sistemática" contra bahá'is por iranianos; Canadá prepara resolução sobre abusos naquele país

ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO

Em 1986, o iraniano Ramin Shams, membro do movimento religioso bahá'i, cruzou durante uma semana, a pé e de camelo, a fronteira desértica entre seu país e o Paquistão. "Não dava mais para continuar no Irã", afirmou Shams à Folha, de Americana (SP), onde vive há quase duas décadas. A razão da fuga foi a mesma que levará neste mês os bahá'is a repetirem um apelo na ONU: a perseguição e os abusos que dizem sofrer os fiéis dentro do Irã.
"As forças iranianas estão catalogando e monitorando bahá'is no país. Tememos pela segurança dos membros locais", afirmou à Folha, de Nova York, Diane Ala'i, representante da comunidade na ONU. "Não descartamos o risco de morte. Não seria a primeira vez que o Irã exterminaria bahá'is."
Ela se refere aos relatos da execução, nos primeiros anos da Revolução Islâmica (1979) no Irã, de estimados 200 bahá'is. A acusação, que nunca foi formalizada, era simples: a filiação à "seita desviada".
Ala'i busca agora apoio para a aprovação de uma resolução sobre abusos de direitos humanos no Irã pelo 3º Comitê das Nações Unidas. O Canadá já confirmou que apresentará o texto ainda em 2007.

Controle iraniano
Desde 2006, a relatora especial sobre liberdade religiosa e de crença da ONU, Asma Jahangir, afirma que a situação dos bahá'i no Irã está se deteriorando. Em março do ano passado, ela tornou pública uma carta do comando das Forças Armadas iranianas ordenando instituições governamentais a identificar e monitorar as atividades dos bahá'i.
A carta indica que a ordem partiu do aiatolá Ali Khamenei, líder máximo do país. O Irã, porém, não reconhece a veracidade do documento.
Criado no século 19 no Irã, o movimento tem cerca de 6 milhões de fiéis no mundo, dos quais entre 300 mil e 350 mil vivem ainda no país, segundo dados da ONU. A ONG Human Rights Watch (HRW) afirma que eles compõem a maior minoria religiosa do Irã, mas, segundo a embaixada iraniana no Brasil, a comunidade não tem mais do que "poucas centenas" de membros.
Os bahá'is não são reconhecidos como minoria religiosa nem têm o direito de praticar sua fé em solo iraniano. A título de comparação, o cristianismo, o judaísmo e o zoroastrismo, de apenas 21 mil fiéis, têm direitos protegidos na Constituição iraniana. Para Jahangir, há uma "discriminação sistemática contra os bahá'i".
A preocupação com o grupo também foi manifestada pela União Européia, pelo governo americano e por entidades de direitos humanos como a Anistia Internacional e a HRW -todos autores de apelos ao Irã contra a situação dos bahá'i.
Ramin Shams conta que teve a casa invadida pela Guarda Revolucionária iraniana e que vários de seus amigos foram presos por motivos religiosos no começo dos anos 1980. Mas ele diz que a gota d'água para a fuga do Irã chegou em 1983, quando recebeu uma carta do Ministério da Educação negando sua inscrição no vestibular -o que atribui à sua identificação como bahá'i. "Os jovens da comunidade não têm nenhuma perspectiva no Irã", afirma.
Washington Araújo, membro da Assembléia Nacional Bahá'i no Brasil, confirmou à Folha a preocupação com o futuro dos fiéis iranianos. "Os bahá'i estão economicamente sufocados e não têm dinheiro nem para sair do Irã." Membros da comunidade dizem que são proibidos de ocupar cargos públicos, e muitos tiveram aposentadorias canceladas, além de serem impedidos de freqüentar universidades. Eles também não podem tirar passaportes, e bahá'is no exterior, como o próprio Araújo, afirmam ter tido pedidos de vistos para o Irã negados.

Sem problemas
Os relatos são negados pelo governo iraniano. Contatada pela Folha, a Embaixada do Irã no Brasil não quis dar declarações em nome do governo, mas afirmou que "este pequeno grupo vive no Irã sem problemas, vai às escolas e universidades e tem atividades nos empreendimentos de negócios como todas as outras pessoas".
Sobre a obrigatoriedade de identificação da religião em fichas estudantis ou empregatícias, a embaixada diz que isso mostra "que no Irã há liberdade de crença". "Ao mencionar sua religião nos formulários de emprego e de inscrição na universidade, o cidadão permite adaptação à sua fé."
O órgão afirmou ainda que "é fato que alguns [bahá'is] buscam nova vida, melhorias financeiras e sucesso em outros países, mas têm toda liberdade de voltar quando quiserem". E completou: "o Irã se destaca na defesa dos direitos humanos".


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