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Seita bahá'i faz apelo à ONU contra Irã
Autoridades islâmicas negam discriminação que comunidade religiosa diz sofrer; membros falam em risco de morte
Para relatora da ONU, existe "discriminação sistemática" contra bahá'is por iranianos; Canadá prepara resolução sobre abusos naquele país
ANDREA MURTA
DA REDAÇÃO
Em 1986, o iraniano Ramin
Shams, membro do movimento
religioso bahá'i, cruzou durante uma semana, a pé e de camelo, a fronteira desértica entre
seu país e o Paquistão. "Não dava mais para continuar no Irã",
afirmou Shams à Folha, de
Americana (SP), onde vive há
quase duas décadas. A razão da
fuga foi a mesma que levará
neste mês os bahá'is a repetirem um apelo na ONU: a perseguição e os abusos que dizem
sofrer os fiéis dentro do Irã.
"As forças iranianas estão catalogando e monitorando bahá'is no país. Tememos pela segurança dos membros locais",
afirmou à Folha, de Nova York,
Diane Ala'i, representante da
comunidade na ONU. "Não
descartamos o risco de morte.
Não seria a primeira vez que o
Irã exterminaria bahá'is."
Ela se refere aos relatos da
execução, nos primeiros anos
da Revolução Islâmica (1979)
no Irã, de estimados 200 bahá'is. A acusação, que nunca foi
formalizada, era simples: a filiação à "seita desviada".
Ala'i busca agora apoio para a
aprovação de uma resolução
sobre abusos de direitos humanos no Irã pelo 3º Comitê das
Nações Unidas. O Canadá já
confirmou que apresentará o
texto ainda em 2007.
Controle iraniano
Desde 2006, a relatora especial sobre liberdade religiosa e
de crença da ONU, Asma Jahangir, afirma que a situação
dos bahá'i no Irã está se deteriorando. Em março do ano
passado, ela tornou pública
uma carta do comando das Forças Armadas iranianas ordenando instituições governamentais a identificar e monitorar as atividades dos bahá'i.
A carta indica que a ordem
partiu do aiatolá Ali Khamenei,
líder máximo do país. O Irã, porém, não reconhece a veracidade do documento.
Criado no século 19 no Irã, o
movimento tem cerca de 6 milhões de fiéis no mundo, dos
quais entre 300 mil e 350 mil
vivem ainda no país, segundo
dados da ONU. A ONG Human
Rights Watch (HRW) afirma
que eles compõem a maior minoria religiosa do Irã, mas, segundo a embaixada iraniana no
Brasil, a comunidade não tem
mais do que "poucas centenas"
de membros.
Os bahá'is não são reconhecidos como minoria religiosa
nem têm o direito de praticar
sua fé em solo iraniano. A título
de comparação, o cristianismo,
o judaísmo e o zoroastrismo, de
apenas 21 mil fiéis, têm direitos
protegidos na Constituição iraniana. Para Jahangir, há uma
"discriminação sistemática
contra os bahá'i".
A preocupação com o grupo
também foi manifestada pela
União Européia, pelo governo
americano e por entidades de
direitos humanos como a Anistia Internacional e a HRW -todos autores de apelos ao Irã
contra a situação dos bahá'i.
Ramin Shams conta que teve
a casa invadida pela Guarda Revolucionária iraniana e que vários de seus amigos foram presos por motivos religiosos no
começo dos anos 1980. Mas ele
diz que a gota d'água para a fuga
do Irã chegou em 1983, quando
recebeu uma carta do Ministério da Educação negando sua
inscrição no vestibular -o que
atribui à sua identificação como bahá'i. "Os jovens da comunidade não têm nenhuma perspectiva no Irã", afirma.
Washington Araújo, membro da Assembléia Nacional
Bahá'i no Brasil, confirmou à
Folha a preocupação com o futuro dos fiéis iranianos. "Os bahá'i estão economicamente sufocados e não têm dinheiro
nem para sair do Irã." Membros da comunidade dizem que
são proibidos de ocupar cargos
públicos, e muitos tiveram aposentadorias canceladas, além
de serem impedidos de freqüentar universidades. Eles
também não podem tirar passaportes, e bahá'is no exterior,
como o próprio Araújo, afirmam ter tido pedidos de vistos
para o Irã negados.
Sem problemas
Os relatos são negados pelo
governo iraniano. Contatada
pela Folha, a Embaixada do Irã
no Brasil não quis dar declarações em nome do governo, mas
afirmou que "este pequeno
grupo vive no Irã sem problemas, vai às escolas e universidades e tem atividades nos empreendimentos de negócios como todas as outras pessoas".
Sobre a obrigatoriedade de
identificação da religião em fichas estudantis ou empregatícias, a embaixada diz que isso
mostra "que no Irã há liberdade de crença". "Ao mencionar
sua religião nos formulários de
emprego e de inscrição na universidade, o cidadão permite
adaptação à sua fé."
O órgão afirmou ainda que "é
fato que alguns [bahá'is] buscam nova vida, melhorias financeiras e sucesso em outros
países, mas têm toda liberdade
de voltar quando quiserem". E
completou: "o Irã se destaca na
defesa dos direitos humanos".
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