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Sarkozy põe identidade francesa em debate
Discussão, que tem como motes "valorizar a contribuição dos imigrantes" e "reafirmar orgulho de ser francês", é criticada por oposição
Analistas veem aceno a eleitores da extrema direita com ideias como "contrato com a nação" para migrantes
CÍNTIA CARDOSO
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA, DE PARIS
"Valorizar a contribuição dos
imigrantes" e "compreender o
que é ser francês hoje". Esses
são os eixos do grande debate
sobre a identidade nacional
aberto ontem na França. A
ideia foi lançada pelo ministro
da Imigração e da Identidade
Nacional, Eric Besson.
Ao longo de dois meses e
meio, os 96 departamentos
franceses, representantes municipais e funcionários das autarquias ligadas à imigração terão reuniões periódicas sobre o
tema. "[Esse debate] deverá fazer surgir, a partir das propostas postas em discussão, as contribuições dos participantes e
ações que permitam reafirmar
os valores republicanos e o orgulho de ser francês", diz comunicado do ministério.
Por trás da abertura do debate, porém, a oposição enxerga
uma manobra para cooptar os
eleitores da extrema direita a
cinco meses das eleições regionais. Parte da esquerda francesa também acusa o presidente
Nicolas Sarkozy e sua equipe de
usarem essa proposta para tentar abafar os recentes escândalos do governo, especialmente a
polêmica sobre suposto nepotismo do presidente.
"Obviamente esse "debate"
foi lançado apenas para tentar
resolver conflitos dentro do
próprio eleitorado de Sarkozy",
afirma Daniel Lindenberg, professor da Universidade Paris 8 e
especialista na história do nacionalismo na França.
Jean Yves Camus, cientista
político e pesquisador do Instituto de Relações Internacionais e Estratégicas em Paris,
afirma ainda que, para além do
objetivo eleitoral, o governo
pretende colocar a recente onda de imigração no âmago do
debate da questão da identidade nacional. "Parece claro que o
centro do debate é a presença
de imigrantes muçulmanos na
França. Não há, por exemplo,
problemas em relação aos imigrantes portugueses ou belgas.
O problema é a incapacidade de
muitos franceses de aceitar que
há pessoas que praticam uma
religião que não estava inscrita
na paisagem de 50 anos atrás.
Hoje, há 4 milhões de muçulmanos na França."
Parte da oposição ao governo
considera esse debate "perigoso" e "inútil", já que é difícil definir o que é ser francês em um
país marcado por vários fluxos
de imigração. Estimativas do
Instituto Nacional de Estudos
Demográficos indicam que, em
média, nascem na França 136
mil filhos de estrangeiros. Em
2004, últimos dados disponíveis, havia na França 5,8% de
estrangeiros, o que representa
3,5 milhões de pessoas.
Mas a maioria dos franceses
parece favorável a abrir a discussão sobre o assunto. Segundo uma sondagem publicada
pelo jornal "Le Parisien" deste
domingo, 60% dos franceses
aprovam o grande debate.
"Marselhesa" obrigatória
Segundo o ministro da Imigração, a "reafirmação" da
identidade francesa passa por
questões básicas. Entre as medidas em estudo para resgatar o
amor à pátria, estão a criação de
um curso de cidadania para
adultos, a obrigação de os jovens cantarem o hino nacional
ao menos uma vez por ano e
uma cerimônia solene para a
naturalização de estrangeiros.
"Todos esses rituais são vazios
e sem sentido se não houver
igualdade entre os cidadãos, o
que está longe de ser o caso, especialmente para os imigrantes
africanos e árabes", avalia o
professor Lindenberg.
Já para Camus, a proposta de
assinatura de "um contrato republicano com a nação" para os
estrangeiros recém-chegados
ao território francês é "chocante". Na proposta do ministro
Besson, esse contrato seria
criado após avaliação do conhecimento da língua francesa e de
valores da República.
Alinhado com o princípio da
"imigração escolhida", defendida pelo presidente Sarkozy,
conforme a proposta a ser discutida, seria possível criar uma
via de naturalização mais rápida para "as pessoas que realizaram esforços excepcionais para
se integrarem".
A população poderá acompanhar as propostas e a evolução
do debate pela internet num fórum que reunirá as principais
dúvidas. Em fevereiro, uma
síntese dos meses de discussão
será exposta num colóquio.
A líder do Partido Socialista,
Martine Aubry, ainda não se
pronunciou sobre o tema. Já a
ex-candidata à Presidência Ségolène Royal pediu que seus colegas de partido não "rejeitem"
o debate e "reconquistem os
símbolos da nação".
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