São Paulo, segunda-feira, 03 de dezembro de 2001

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TRÍPLICE FRONTEIRA

Pessoas de origem árabe enviaram dinheiro por meio de instituições financeiras do Paraguai

Extremistas receberam US$ 50 mi de Foz do Iguaçu

ROBERTO COSSO
ENVIADO ESPECIAL A ASSUNÇÃO

Grupos extremistas árabes, considerados terroristas pelo governo americano, receberam ao menos US$ 50 milhões, nos últimos três anos, de pessoas de origem árabe residentes na região de Foz do Iguaçu (PR), por meio de instituições financeiras do Paraguai.
Investigações realizadas em conjunto pelos governos paraguaio e norte-americano analisam todas as remessas ao exterior feitas por bancos e casas de câmbio de Ciudad del Este nos últimos 36 meses e já obtiveram provas de que o grupo libanês Hizbollah e o palestino Hamas foram abastecidos com recursos de gente que mora no Brasil.
O Paraguai foi incluído em uma lista de países que colaboram com o financiamento do terrorismo no Oriente Médio, divulgada em 28 de outubro, em Washington (EUA), na última reunião do Gafi (Grupo de Ação Financeira Internacional, principal organismo de combate à lavagem de dinheiro). A partir disso, o país se empenhou nas investigações.
"Estamos muito contentes com o apoio das autoridades paraguaias. Temos indicações fortes não só da presença de pessoas vinculadas ao terrorismo mas também de um fluxo muito expressivo de dinheiro desde a tríplice fronteira até grupos fundamentalistas terroristas no Oriente Médio", afirmou Mark Davidson, porta-voz da Embaixada dos Estados Unidos no Paraguai.
"Temos comprovado o envio de dinheiro [a grupos terroristas". Estou praticamente certo de que existem cidadãos ligados ao Hizbollah [na área da tríplice fronteira"", disse o ministro paraguaio Julio Cesar Fanego (Interior).
Paraguai e EUA confirmam a comprovação de envio de US$ 50 milhões até o momento, mas dizem que pode ser mais. "Provavelmente o valor exato vai ficar entre US$ 50 milhões e US$ 500 milhões", declara Davidson. "O dinheiro saiu para pagar importações, mas as mercadorias não entraram no país", diz Fanego.
O ministro afirma que a maioria das remessas são de valor baixo, entre US$ 500 e US$ 2.000. Para ele, isso gera desconfianças sobre a finalidade das operações.
Considerado uma organização terrorista pelos EUA, o Hizbollah é um partido político reconhecido no Líbano, realiza atividades humanitárias e recebe doações de árabes do mundo inteiro. Os ataques que realizou contra soldados e cidades israelenses foram fundamentais para forçar as tropas israelenses a abandonar o Líbano.
"Os muçulmanos têm obrigação religiosa de fazer doações a entidades assistenciais, e o Hizbollah trabalha com crianças carentes, o que pode justificar as remessas de dinheiro", afirma a brasileira Adrienne Senna, presidente do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), que está em contato com as autoridades paraguaias.
"Um islâmico deve entregar 20% do que ganha para ajudar as crianças pobres, os desempregados", diz o libanês Ali Hussein, 30, que mora em Foz do Iguaçu. "Se eu posso ajudar o Hizbollah, eu ajudo, porque o Hizbollah levou a paz ao Líbano."
Apesar disso, a embaixada norte-americana condena quaisquer doações aos grupos: "Hizbollah e Hamas são grupos terroristas que mataram norte-americanos e civis inocentes de outros países", diz seu porta-voz.
Na edição de 18 de novembro, a Folha revelou que brasileiros de origem árabe, residentes na região de Foz, mandaram dinheiro para grupos terroristas no Oriente Médio via bancos paraguaios.
A hipótese de o dinheiro enviado servir ao terrorismo é reforçada por lista da Secretaria de Prevenção de Lavagem de Dinheiro do Paraguai, que relaciona 45 pessoas responsáveis por remessas superiores a US$ 100 mil. Seus nomes são mantidos em sigilo.
"Estamos concentrando nossas investigações nos 45 nomes que constam da lista elaborada pela Secretaria de Prevenção de Lavagem de Dinheiro e em outras quatro pessoas que estão em listas de suspeitos elaboradas pela polícia norte-americana", diz Angel Gabriel Ganzález Cáceres, superintendente de bancos do Banco Central do Paraguai.
As quatro pessoas a que se refere o superintendente Cáceres são o comerciante libanês Assad Ahmad Barakat, que mora em Foz do Iguaçu e tem uma loja em Ciudad del Este, e três supostos funcionários dele: Sobhi Mahmoud Fayad, Mazen Ali Saleh e Saleh Mahamoud Fayed, que estão presos no Paraguai.

Hizbollah agradece
Carta enviada do Líbano a Sobhi comprova que, só em 2000, ele remeteu mais de US$ 3,5 milhões à Organização Benéfica Social "O Mártir", ligada ao Hizbollah. O documento, escrito em árabe, foi apreendido na loja de Barakat.
Traduzida, a carta traz o título "A todos os que cumpriram com o chamado do enviado de Deus" e o seguinte texto: "Colocamos em suas mãos os resultados diretos de sua colaboração para a manutenção dos órfãos dos mártires, durante o ano de 2000. O total pago durante o ano 2000 alcançou a soma de US$ 3.535.149".
A Organização Benéfica Social "O Mártir" é responsável por cuidar das crianças cujos pais, considerados mártires, morreram a serviço do Hizbollah.


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