São Paulo, sábado, 04 de janeiro de 2003

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ANÁLISE

Presidente pode sobreviver à crise e sair fortalecido

GINGER THOMPSON
DO "THE NEW YORK TIMES", EM CARACAS

Durante sua visita ao Brasil, anteontem, um radiante presidente Hugo Chávez assegurou ao mundo que sobreviverá à greve geral de mais de um mês de duração que tenta forçá-lo a deixar o poder. Mas, em casa, os venezuelanos se perguntam se seu país, como eles o conhecem, poderá sobreviver.
O discurso do presidente pode ser só bravata, mas os analistas políticos venezuelanos e do exterior concordam que ele parece mais uma vez ter conseguido sair das cordas para golpear a oposição, cuja greve geral conseguiu paralisar o coração da economia venezuelana: a companhia estatal petrolífera, PDVSA (Petróleos de Venezuela S.A.).
Chávez pode não apenas sobreviver a esse último desafio à sua Presidência, como analistas e alguns de seus opositores começam a admitir, mas ele também pode emergir com uma nova força, mesmo se seu país ficar mais polarizado e economicamente demais deteriorado que antes.
"A oposição subestimou a determinação do presidente Chávez de ficar no poder a todo custo", diz Luis Pacheco, executivo da estatal petrolífera em greve. "Qualquer outro líder ocidental veria esta situação como uma agonia econômica e social e deixaria o cargo. Mas Chávez pretende governar sobre ruínas", afirma.
Em abril, após um breve golpe frustrado contra ele, Hugo Chávez disse que, como um gesto de reconciliação, não demitiria os executivos da PDVSA acusados de tomar parte no golpe. Desta vez, ele prometeu não ser tão indulgente.
Há duas semanas, o presidente, que há muito tempo queria fortalecer seu controle sobre a companhia petrolífera, anunciou a suspensão de cerca de cem executivos e gerentes acusados de apoiar a greve.
A ação atingiu seu objetivo, e, a cada dia que ele consegue manter a companhia petrolífera -e seu país- avançando, ainda que com dificuldade, é mais um dia que ele perturba e enfraquece a estratégia de seus opositores.
De maneira semelhante, em abril o presidente expurgou altos oficiais militares. Hoje as Forças Armadas estão firmes sob seu comando e têm se mantido leais a ele durante a atual crise.
O tempo, dizem os analistas, joga a favor de Chávez. A oposição, que pedia novas eleições, agora voltou suas energias para organizar um referendo não-obrigatório sobre o mandato de Chávez no dia 2 de fevereiro. A Suprema Corte ainda deve se pronunciar sobre a legalidade dessa votação. Em todo caso, qualquer que seja o resultado, o presidente diz que pretende ficar no poder.
Mas o preço para a economia venezuelana, os analistas concordam, é quase insustentável.
Chávez pode ter sucesso em assegurar seu controle sobre a PDVSA, mas, por ora, ela não está produzindo muito. No mês passado, as exportações da empresa desabaram de mais de 2,5 milhões de barris ao dia para menos de 2 milhões em todo o mês.
O economista Ramón Espinasa, ex-executivo da PDVSA e consultor do BID (Banco Interamericano de Desenvolvimento), diz que, sem a retomada da produção, o PIB (Produto Interno Bruto) venezuelano provavelmente cairia até 10% neste ano.
O governo já começou a gastar suas reservas e provavelmente será forçado a emitir mais moeda neste ano, o que poderia catapultar a inflação de seu já preocupante nível de 30%. Outros analistas prevêem uma onda de quebras, desemprego e migrações que poderiam mexer com a economia por vários meses.
Além dos problemas econômicos, semanas de uma carregada disputa retórica entre Chávez e seus opositores deixaram os nervos da nação expostos. As divisões sociais que há tempos marcam a vida no país se transformaram em campos minados.
De um lado, Chávez, um ex-pára-quedista que se considera o campeão dos pobres, se recusa a fazer concessões nas negociações com seus opositores, chamando seus líderes de "terroristas" e "golpistas". Enquanto isso, o chamado à violência, antes escondido, agora é feito abertamente na mídia controlada pela oposição e nas marchas opositoras.
Mesmo com as perspectivas sombrias para a Venezuela em 2003, Chávez se vangloria de sua força. Ele se gaba de que os países vizinhos correram em sua ajuda, enviando carregamentos de alimentos e gasolina que ajudaram o governo a atender às necessidades mais prementes do país. Ele disse que buscaria especialistas em petróleo estrangeiros para recolocar em funcionamento os poços e as refinarias. Ele prometeu normalizar a indústria petrolífera dentro de um mês.
A maioria das pessoas acredita que o otimismo de Chávez seja exagerado. A PDVSA tem algumas das mais sofisticadas instalações de refino do mundo, segundo os executivos em greve. Elas precisariam se manter em atividade para continuar funcionando adequadamente; quanto mais tempo elas ficarem paradas, mais tempo levará a normalização.
Larry Birns, diretor do Conselho sobre Assuntos do Hemisfério, com sede em Washington, diz que a estratégia da oposição pode explodir antes do tempo.
"A oposição contava com que as pessoas ficassem cansadas do presidente Chávez", diz. "Mas a oposição provocou esta crise, e Chávez tem todo o direito de tentar consertar a situação."



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