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ÁSIA
Analistas não esperam mudanças imediatas, mas uma maior abertura para discutir o tema diante de pressão interna e externa
China põe direitos humanos na Constituição
DA REUTERS, EM PEQUIM
Depois que os legisladores chineses aprovarem uma emenda
simbólica numa sessão do Parlamento que começa nesta semana,
a Constituição chinesa passará a
proteger os direitos humanos, pela primeira vez. Mas é pouco provável que a medida abra a porta
para a liberdade plena de expressão. A oficialização dos direitos
humanos vai abrir caminho para
alguma discussão da questão no
país e pode facilitar a chegada de
mais reformas, mas é pouco provável que tenha impacto sobre o
histórico chinês de abusos aos direitos humanos. A Constituição já
garante a liberdade de religião, expressão e reunião, mas esses direitos são bastante limitados.
"O conceito de direitos humanos ainda é muito vago na China", disse Liu Xiaobo, crítico literário e dissidente preso após os
protestos pró-democracia da praça Tiananmen, em 1989. "O problema mais básico é que o respeito e a proteção que o Estado garante aos direitos humanos entra
em conflito com o sistema de governo unipartidário, no cerne da
Constituição", afirmou.
Reconhecimento
Mesmo assim, dizem analistas,
a emenda constitucional reflete o
reconhecimento, por parte do governo do presidente Hu Jintao e
do premiê Wen Jiabao, de que a
China precisa enfrentar a questão
de alguma maneira. "É um sinal
importante de que a China aderiu,
ou foi convencida a aderir, ao
conceito e à linguagem dos direitos humanos", afirmou, em Hong
Kong, Nicolas Becquelin, da organização sediada em Nova York
Human Rights in China (Direitos
Humanos na China). "É um grande incentivo de legitimidade às
pessoas que vêm trabalhando para proteger os direitos dos cidadãos chineses", afirmou, dizendo,
também, que a emenda pode ser
precursora de mudanças.
Entretanto, a emenda que deve
ser aprovada pelo Congresso Nacional do Povo não tem poder por
conta própria, em parte porque é
formulada em termos tão vagos.
Ela afirma simplesmente: "O Estado respeita e garante os direitos
humanos".
Diferentemente do que acontece com a Constituição americana,
são raros os casos de advogados
na China que já tentaram evocar a
Constituição para respaldar seus
argumentos num tribunal. O objetivo da Constituição é criar diretrizes amplas. Algumas leis chinesas chegam a contrariar a Carta.
"É uma afirmação positiva",
disse um diplomata ocidental.
Mas a motivação por trás da
emenda, para ele, não está clara.
"Será que é uma reforma real? Ou
é apenas o reconhecimento de
que a China precisa melhorar seu
trabalho de relações públicas?"
"De modo geral", disse Liu, "a
Constituição chinesa, mesmo que
venha acrescentada de direitos
humanos -o que é um avanço-
coloca o poder do partido acima
de tudo. Ela visa sobretudo proteger o monopólio que o partido
exerce sobre o poder. É difícil avaliar se a emenda é ou não uma iniciativa tática que visa consolidar o
poder do partido e manter a estabilidade social."
Direito de comer
A China insiste que direitos humanos fundamentais significam
alimentar, vestir e alojar seu 1,3
bilhão de habitantes e que os direitos individuais devem ficar em
segundo plano. Mas as reclamações sobre direitos humanos
constituem uma espinha permanente nas relações externas.
Estados Unidos, União Européia e outros vêm pressionando a
China há anos para que ponha
fim ao que vêem como sendo
abusos dos direitos humanos:
perseguições religiosas, tortura,
confissões arrancadas à força e
prisões políticas. No mês passado,
o Departamento de Estado norte-americano repreendeu a China
mais uma vez em seu relatório
anual sobre os direitos humanos
no mundo.
Dois dias antes do início da sessão anual do Parlamento, um grupo de direitos humanos com sede
nos EUA disse que a sentença dada a uma empresária e ativista
muçulmana tinha sido reduzida
em função de "seu arrependimento genuíno e disposição em
reformar-se".
Mas Yang Jianli, um cidadão
americano que está preso por espionagem e por ter entrado ilegalmente na China, iniciou uma greve de fome para protestar contra o
tratamento "deplorável" que vem
recebendo na prisão, anunciou
outro grupo.
Os apelos dentro da própria
China pela melhora de alguns
pontos em relação aos direitos
humanos vêm crescendo, e alguns casos de destaque acabaram
levando a modificações nas leis.
No ano passado, a China anulou
uma lei que conferia à polícia poderes amplos para deter vadios e
embarcá-los para suas províncias
de origem, sem serem submetidos a processo. A medida foi tomada depois do ultraje provocado pela morte, na prisão, de um
designer detido por não estar portando os documentos exigidos.
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