São Paulo, sexta-feira, 04 de março de 2011

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ONDA DE REVOLTAS

Aos 17, sapateiro desempregado opera peça de artilharia

Ali Hmeida ocupa linha de frente na insurreição contra o ditador da Líbia dois anos depois de largar os estudos

"Há duas semanas eu não tinha esperanças no futuro, e agora eu posso lutar", diz o adolescente em um reduto opositor

MARCELO NINIO
ENVIADO ESPECIAL A ALAGILAH (LÍBIA)

O sapateiro desempregado Ali Hmeida, 17, está na linha de frente da insurreição contra Muammar Gaddafi.
Até poucos dias atrás ele jamais havia pego numa arma. Ontem estava operando um canhão de artilharia antiaérea em Alagilah, última barreira rebelde antes das forças leais ao ditador líbio.
Hmeida é um dos milhares de civis que se uniram a militares desertores e tomaram todo o leste do país. "Agora é matar ou morrer", afirma.
O sapateiro diz ter largado os estudos há dois anos por acreditar que "aquilo" não o levaria para lugar algum.
"A escola era muito ruim e eu precisava trabalhar. Consegui emprego como sapateiro, aprendi o ofício e tudo ia bem, mas há uns três meses fui mandado embora", disse.
Para Hmeida, "é culpa do Gaddafi", há 41 anos no poder, que a educação não preste e a economia esteja destruída. "Nós não temos nenhum futuro", afirmou.
Quando eclodiu a revolta contra o ditador, cujo marco é considerado o dia 17 de fevereiro -"dia de fúria"-, o adolescente se encontrava em casa, na cidade de Beyda.
"Estava desempregado e passava o dia vendo televisão. Soube que a polícia secreta estava atirando nos manifestantes e saí para me juntar a eles. Não podia ver os meus irmãos e primos morrerem sem fazer nada", disse.
Nos primeiros dias, Hmeida disse ter lutado com uma faca e pedaços de pau por não conseguir nenhuma arma. Mas, no segundo dia, invadiu uma base militar com rebeldes e saiu com armas, pistolas e fuzis Kalashnikov.
"Foi a primeira vez na vida que pegava numa arma. Tive sensação de poder. Pensei: não tenho nada a perder, minha vida não vale nada mesmo, pelo menos vou lutar."
Segundo ele, os rebeldes não tinham líder, e cada bairro da cidade de organizou em grupos para obter armas e, só então, partir para o confronto com o inimigo comum.

MERCENÁRIOS
"Entrei no confronto e vi policias à paisana e também combatentes africanos [mercenários]. Me disseram que eles eram do Chade, da Argélia e de Níger", afirmou.
"Mas eu não quis saber. São animais pagos pelo Gaddafi. Abri fogo, atirei muito. Usei toda a munição que me deram. Não sei se matei algum deles, mas espero que sim. Eu não tenho pena."
Conquistada Beyda, Hmeida e outros rebeldes partiram para outras cidades para auxiliar colegas revoltosos, até que chegaram a Alagilah.
Foi quando recebeu uniforme do Exército e ordem para se posicionar em um canhão de artilharia antiaérea e disparar contra qualquer veículo das forças pró-Gaddafi.
"Há duas semanas eu não tinha nenhuma esperança de futuro. Era um sapateiro desempregado e passava dias em casa. Agora posso lutar."
Segundo Hmeida, Gaddafi nunca deu direitos ao povo nem chances de progredir, e ninguém acreditava que a situação do país pudesse mudar em tão pouco tempo.
"Inshallah [se Deus quiser], tudo vai ser diferente quando acabarmos com Gadaffi. Metade dos meus amigos não estuda nem trabalha. Era uma geração perdida e não havia esperança, mas agora o futuro está aberto."


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