|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
Para Tariq Ali, papado lembrou a Idade Média
SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN
"João Paulo 2º pôs a mais moderna tecnologia a serviço de um
papado digno da Idade Média."
Para o escritor paquistanês Tariq
Ali, o papa foi um "contra-revolucionário", responsável pelo fato
de a igreja ter dado muitos passos
para trás e de ter se mantido praticamente ausente de questões importantes, como a luta pelos direitos humanos no Terceiro Mundo
e o conflito entre israelenses e palestinos no Oriente Médio.
Historiador, ensaísta político e
romancista, Ali é autor de "Confronto de Fundamentalismos" e
"Bush na Babilônia" (lançados no
Brasil pela Record) e editor da britânica "New Left Review". De
Londres, onde vive, o escritor
concedeu a seguinte entrevista à
Folha, por telefone.
Folha - Como o sr.
analisa politicamente o papado de
João Paulo 2º?
Tariq Ali - O movimento que ele
promoveu nos rumos da Igreja Católica funciona
como um espelho
da atual situação
mundial, refletindo exatamente o
que aconteceu nos
últimos anos na
esfera político-econômica. Se
nesta vimos o
apogeu do neoliberalismo, da social-democracia,
o triunfo do Consenso de Washington, o mesmo aconteceu no
papado. Além disso, culminou
também numa situação de imenso autoritarismo e de rigidez nos
procedimentos de decisão e na
hierarquia da igreja.
Folha - O que se perdeu nesse
processo?
Ali - O papa João 23 havia promovido uma série de reformas
que facilitaram a participação de
igrejas da África e da América do
Sul nas decisões centrais. Houve
uma tendência à democratização,
uma preocupação com as discussões de gênero e a possibilidade
de expandir movimentos como a
Teologia da Libertação. João Paulo 2º, antes de virar papa, sempre
votou contra essas reformas.
E, quando assumiu, o primeiro
que fez foi anunciar que se havia
ido longe demais, que a guinada à
esquerda havia ultrapassado os limites. Hoje, tudo aquilo que havia
sido construído antes dele se foi.
Wojtyla foi um contra-revolucionário. Foi um papa autoritário
que deixou abandonados religiosos que, no Terceiro Mundo, travavam uma luta pelos direitos humanos.
Wojtyla foi um contra-revolucionário. Abandonou religiosos que, no Terceiro Mundo, lutavam pelos direitos humanos
|
Folha - O que acha da posição dele com relação a conflitos recentes,
como a Guerra do Iraque ou a constante crise no Oriente Médio?
Ali - Ter se posicionado contra a
Guerra do Iraque foi seu único
acerto do ponto de vista político.
Quanto à questão palestina, podemos considerar que foi ausente.
Não ajudou a minimizar os conflitos em Israel. Do ponto de vista
mais global, são lamentáveis suas
posições conservadoras sobre a
contracepção e o aborto.
Folha - E sua influência no fim do
comunismo na Europa do Leste?
Ali - Wojtyla foi o primeiro e o
último papa do antigo bloco soviético. Ele foi necessário e teve
um papel importante do ponto de
vista ideológico ao pavimentar a
estrada para a restauração do capitalismo, ainda que mesmo ele
tenha ficado depois chocado pela
rudeza dos novos
governantes ligados ao livre mercado.
De um modo
esquisito, o pós-stalinismo não
era diferente da
Igreja Católica. O
Vaticano tinha o
papa e os cardeais. Moscou tinha o secretário
geral e o politburo. Ambos, papa e
secretário geral
eram considerados infalíveis.
Enquanto era um forte oponente do stalinismo e do comunismo,
o cardeal polonês aprendeu algumas jogadas com eles. A única
questão é: o pós-stalinismo implodiu. Será que o catolicismo
também implodirá?
Folha - Como você vê a lenta
transmissão de sua agonia e morte, coroando um papado que teve
uma forte relação com a mídia?
Ali - O espetáculo midiático a
que assistimos é o apogeu de como o papa lidou com o mundo da
comunicação globalizada. João
Paulo 2º sempre adorou as câmeras de televisão. Nesse sentido,
acho que sempre agiu como um
político inteligente e de direita.
Ele pôs a mais moderna tecnologia a serviço de um papado digno
da Idade Média.
E o que estamos vendo nessa
cobertura de sua morte faz pensar
no quão grotesca se transformou
essa instituição que chega ao século 21 sem se reformar. Temo
pelo fanatismo pró-religião que o
espetáculo gera, mas sinto que as
conseqüências podem ser também no sentido de fortalecer um
sentimento anti-religião.
Texto Anterior: A morte do papa: Igreja já vê João Paulo 2º como santo Próximo Texto: Pontífice foi duro, diz d. Pedro Casaldáliga Índice
|