São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2005

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ENTREVISTA DA 2ª

A MORTE DO PAPA

Segundo cardeal, ideais de João Paulo 2º, mesmo tendo nomeado maioria do conclave, podem não ter continuidade

Para d. Geraldo, novo papa pode buscar rumos diferentes

LUIZ FRANCISCO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR

Nomeado cardeal por João Paulo 2º, com quem trabalhou diretamente por quase sete anos e meio, o presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Geraldo Majella Agnelo, 71, disse que o fato de o papa ter escolhido a maioria dos cardeais com direito a voto no conclave não significa que as suas idéias terão continuidade.
Hoje à noite, o arcebispo de Salvador e primaz do Brasil -um dos quatro cardeais brasileiros com direito a voto no conclave-, segue para Roma, onde vai participar da cerimônia de enterro do papa e da escolha do seu sucessor. Ontem à tarde, antes de celebrar a segunda missa do dia pela alma do papa, o cardeal falou à Folha. A seguir, os principais trechos da entrevista.

 

Folha - Qual o legado de João Paulo 2º?
D. Geraldo Majella Agnelo
- Foi um pontificado muito rico, porque João Paulo 2º teve um exercício de magistério muito grande. O papa escreveu encíclicas importantes para a orientação dos católicos, além de documentos que tocam não apenas a teologia, mas também a filosofia. Pela sua formação, experiência, preparo intelectual e vivência, o papa imprimiu novos rumos à igreja. Mas, o que eu gosto de destacar é que João Paulo 2º era um homem de muita fé. Então, para a igreja, ele deu um testemunho de fidelidade a Cristo e ao Evangelho. Mas não podemos esquecer que o papa demonstrou um carinho especial pelos pobres e mais necessitados, o que é muito gratificante.

Folha - O que ele representou para os adeptos de outras religiões?
D. Geraldo
- Para o mundo em geral e para os integrantes de outras religiões, o papa foi um sinal de humanidade. Ele sempre demonstrou uma preocupação muito grande com a dignidade humana, com o respeito à vida, com o amor ao próximo. Em seu pontificado, João Paulo 2º mostrou o caminho para todos os homens para um mundo melhor, onde a paz e a harmonia sejam constantes.

Folha - Quando foi o último encontro do sr. com o papa? O que conversaram?
D. Geraldo
- O meu último encontro com o papa aconteceu em janeiro, em seu apartamento, o mesmo local onde ele morreu. Foi um encontro da Pontifícia Comissão para a América Latina. Depois do encontro, nós fomos recebidos pelo papa. Não foi uma audiência, foi um encontro muito rápido, onde todos os integrantes do encontro o saudaram. Eu sempre tive uma excelente convivência com o papa. Foi João Paulo 2º quem me nomeou arcebispo de Salvador e, depois, cardeal. Com ele no Vaticano, trabalhei por sete anos e meio e aprendi muito nesse período.

Folha - O sr. acha que o fator regional pode influir na definição do próximo papa?
D. Geraldo
- Não acredito. Pode até acontecer, mas isso não é determinante de jeito nenhum.

Folha - O fato de João Paulo 2º ter nomeado praticamente todos os cardeais com direito a voto significa que as suas idéias serão seguidas pelo seu sucessor?
D. Geraldo
- Nenhum papa reproduz na integralidade os pensamentos do seu antecessor. Não é que ele será contra [as idéias], mas não podemos dizer que ele também será o retrato do outro. O que é próprio do ministério, é igual para todos, mas cada cardeal tem a sua formação, origem, cultura, opinião, pensamentos e idéias. E isso é fundamental na parte de contato com outras pessoas. João Paulo 2º, por exemplo, teve muita vontade de ir ao encontro das pessoas, conhecer novas culturas, visitar países, saber os desafios de cada povo, não apenas na evangelização.

Folha - O que leva uma pessoa a tornar-se papa? Que idéias? Que estilo?
D. Geraldo
- Não há nada de especial. Cristo, quando fundou a igreja, não procurou os mais sábios para comandá-la, mas os pescadores. Depois, a ação do Espírito Santo, nós cremos nisso, é que mudou as pessoas. Então, não existem idéias ou estilo especiais para uma pessoa ser o sucessor de Pedro. Todos podem ser.

Folha - O sr. acha que está na hora de a América Latina ter um papa?
D. Geraldo
- Pode ser, claro, mas não necessariamente. Todos os continentes podem ter um papa. O importante é que os ensinamentos de Jesus sejam bem representados.

Folha - Que desafios terá o sucessor de João Paulo 2º?
D. Geraldo
- Muitos. Entre eles, a própria característica da época em que vivemos. Vivemos em um mundo subjetivista e relativista, um mundo em que cada pessoa quer dizer como quer ser, até mesmo como quer ser católico. Então, essa pessoa toma a palavra de Deus, mas não é aquela palavra de Deus que deve ser igual para todos. Essa pessoa quer dizer o que aceita e o que não aceita, como se fosse um supermercado de religião, onde o "cliente" escolhe o que quer. Mesmo em um mundo onde as comunicações aproximaram tanto as pessoas, o individualismo predomina.

Folha - Esse desafio pode ser vencido?
D. Geraldo
- Claro, mas tudo depende de uma abertura de cada pessoa. As pessoas precisam se convencer de que o individualismo não leva a nada e que somente a conversão à fraternidade é a solução.

Folha - A que o sr. credita a atenção especial que João Paulo 2º demonstrou pelos jovens?
D. Geraldo
- O papa via na juventude o idealismo e queria que o jovem participasse mais da construção de um mundo novo e repleto de paz.

Folha - O fato de o papa ter nascido em um país invadido durante a 2ª Guerra Mundial influenciou de alguma forma o seu pontificado?
D. Geraldo
- Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. João Paulo 2º era um bispo que vinha de um sofrimento grande, de um país dominado pelo nazismo e, depois, pelo comunismo. Tudo isso exerceu uma influência muito grande em sua personalidade.


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