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ENTREVISTA DA 2ª
A MORTE DO PAPA
Segundo cardeal, ideais de João Paulo 2º, mesmo tendo nomeado maioria do conclave, podem não ter continuidade
Para d. Geraldo, novo papa pode buscar rumos diferentes
LUIZ FRANCISCO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM SALVADOR
Nomeado cardeal por João Paulo 2º, com quem trabalhou diretamente por quase sete anos e meio,
o presidente da CNBB (Conferência Nacional dos Bispos do Brasil), d. Geraldo Majella Agnelo, 71,
disse que o fato de o papa ter escolhido a maioria dos cardeais com
direito a voto no conclave não significa que as suas idéias terão continuidade.
Hoje à noite, o arcebispo de Salvador e primaz do Brasil -um
dos quatro cardeais brasileiros
com direito a voto no conclave-,
segue para Roma, onde vai participar da cerimônia de enterro do
papa e da escolha do seu sucessor.
Ontem à tarde, antes de celebrar a
segunda missa do dia pela alma
do papa, o cardeal falou à Folha.
A seguir, os principais trechos da
entrevista.
Folha - Qual o legado de João
Paulo 2º?
D. Geraldo Majella Agnelo - Foi
um pontificado muito rico, porque João Paulo 2º teve um exercício de magistério muito grande. O
papa escreveu encíclicas importantes para a orientação dos católicos, além de documentos que tocam não apenas a teologia, mas
também a filosofia. Pela sua formação, experiência, preparo intelectual e vivência, o papa imprimiu novos rumos à igreja. Mas, o
que eu gosto de destacar é que
João Paulo 2º era um homem de
muita fé. Então, para a igreja, ele
deu um testemunho de fidelidade
a Cristo e ao Evangelho. Mas não
podemos esquecer que o papa demonstrou um carinho especial
pelos pobres e mais necessitados,
o que é muito gratificante.
Folha - O que ele representou para os adeptos de outras religiões?
D. Geraldo - Para o mundo em
geral e para os integrantes de outras religiões, o papa foi um sinal
de humanidade. Ele sempre demonstrou uma preocupação
muito grande com a dignidade
humana, com o respeito à vida,
com o amor ao próximo. Em seu
pontificado, João Paulo 2º mostrou o caminho para todos os homens para um mundo melhor,
onde a paz e a harmonia sejam
constantes.
Folha - Quando foi o último encontro do sr. com o papa? O que
conversaram?
D. Geraldo - O meu último encontro com o papa aconteceu em
janeiro, em seu apartamento, o
mesmo local onde ele morreu. Foi
um encontro da Pontifícia Comissão para a América Latina. Depois
do encontro, nós fomos recebidos
pelo papa. Não foi uma audiência,
foi um encontro muito rápido,
onde todos os integrantes do encontro o saudaram. Eu sempre tive uma excelente convivência
com o papa. Foi João Paulo 2º
quem me nomeou arcebispo de
Salvador e, depois, cardeal. Com
ele no Vaticano, trabalhei por sete
anos e meio e aprendi muito nesse
período.
Folha - O sr. acha que o fator regional pode influir na definição do
próximo papa?
D. Geraldo - Não acredito. Pode
até acontecer, mas isso não é determinante de jeito nenhum.
Folha - O fato de João Paulo 2º ter
nomeado praticamente todos os
cardeais com direito a voto significa que as suas idéias serão seguidas pelo seu sucessor?
D. Geraldo - Nenhum papa reproduz na integralidade os pensamentos do seu antecessor. Não é
que ele será contra [as idéias],
mas não podemos dizer que ele
também será o retrato do outro. O
que é próprio do ministério, é
igual para todos, mas cada cardeal
tem a sua formação, origem, cultura, opinião, pensamentos e
idéias. E isso é fundamental na
parte de contato com outras pessoas. João Paulo 2º, por exemplo,
teve muita vontade de ir ao encontro das pessoas, conhecer novas culturas, visitar países, saber
os desafios de cada povo, não apenas na evangelização.
Folha - O que leva uma pessoa a
tornar-se papa? Que idéias? Que
estilo?
D. Geraldo - Não há nada de especial. Cristo, quando fundou a
igreja, não procurou os mais sábios para comandá-la, mas os
pescadores. Depois, a ação do Espírito Santo, nós cremos nisso, é
que mudou as pessoas. Então, não
existem idéias ou estilo especiais
para uma pessoa ser o sucessor de
Pedro. Todos podem ser.
Folha - O sr. acha que está na hora
de a América Latina ter um papa?
D. Geraldo - Pode ser, claro, mas
não necessariamente. Todos os
continentes podem ter um papa.
O importante é que os ensinamentos de Jesus sejam bem representados.
Folha - Que desafios terá o sucessor de João Paulo 2º?
D. Geraldo - Muitos. Entre eles, a
própria característica da época
em que vivemos. Vivemos em um
mundo subjetivista e relativista,
um mundo em que cada pessoa
quer dizer como quer ser, até
mesmo como quer ser católico.
Então, essa pessoa toma a palavra
de Deus, mas não é aquela palavra
de Deus que deve ser igual para
todos. Essa pessoa quer dizer o
que aceita e o que não aceita, como se fosse um supermercado de
religião, onde o "cliente" escolhe
o que quer. Mesmo em um mundo onde as comunicações aproximaram tanto as pessoas, o individualismo predomina.
Folha - Esse desafio pode ser vencido?
D. Geraldo - Claro, mas tudo depende de uma abertura de cada
pessoa. As pessoas precisam se
convencer de que o individualismo não leva a nada e que somente
a conversão à fraternidade é a solução.
Folha - A que o sr. credita a atenção especial que João Paulo 2º demonstrou pelos jovens?
D. Geraldo - O papa via na juventude o idealismo e queria que o jovem participasse mais da construção de um mundo novo e repleto
de paz.
Folha - O fato de o papa ter nascido em um país invadido durante a
2ª Guerra Mundial influenciou de
alguma forma o seu pontificado?
D. Geraldo - Não tenho nenhuma dúvida sobre isso. João Paulo
2º era um bispo que vinha de um
sofrimento grande, de um país
dominado pelo nazismo e, depois, pelo comunismo. Tudo isso
exerceu uma influência muito
grande em sua personalidade.
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