São Paulo, segunda-feira, 04 de abril de 2011

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FOCO

Escola no Havaí formou "cuca fresca" Obama

Futuro presidente dos EUA, que estudou em colégio de elite nos anos 70, era 'Barry'

LUCIANA COELHO
EM HONOLULU

Eric Kusunoki estica o braço e aponta a quadra onde quatro meninos tentam acertar a cesta, em uma manhã quente em Honolulu, no Estado americano do Havaí.
As aulas estão recomeçando na escola Punahou. "Era ali que ele jogava basquete."
Indagado sobre o óbvio, o professor rebate, na voz muito calma. "Não me lembro de ele cabular aula para jogar."
Tampouco se lembra que o sujeito simpático que se apresentava como Barry usava maconha, como escreveria em sua autobiografia.
Kusunoki passou quase 37 de seus 61 anos em Punahou, a mais tradicional escola do Havaí. O tempo não dissolveu na memória o primeiro dia de aula de 1975.
"Errei o nome dele", ri. "Tinha perguntado a algumas pessoas antes, mas ninguém sabia a pronúncia certa. E ao fazer a chamada, perguntei por Bér-ack [em vez de Baráck] Obama. Ele sorriu e respondeu que o chamasse de "Barry"." Daquele dia em diante, foi Barry.
Kusunoki não ensinou matemática ou história ao presidente Obama. Serviu-lhe como professor-orientador durante o ensino médio.
Era o encarregado de fazer verificar a frequência e o desempenho. "[Obama] sempre foi muito educado, entrava cedo, dava bom dia. Estava sempre com um sorriso."

ELITE
Punahou foi a escola de Obama durante a segunda parte do ensino fundamental, quando ele voltou a seu Havaí natal após quatro anos na Indonésia com a mãe e o padrasto. Entrou em 1971 e saiu em 1979, aos 18 anos.
Pisar em seu imenso gramado, entre prédios bem cuidados e galpões para aulas de arte, faz entender o que adversários dizem ao lembrar que Obama veio da elite.
Poucos podem estudar em um espaço assim: 44 prédios espalhados em 307 mil m2 abrigam 3.760 alunos e 340 professores. A anuidade custa R$ 29 mil. A escola não esclarece se Obama teve bolsa.
Pisar ali também explica muito da personalidade de Obama. A primeira-dama, Michelle, já disse que não é possível entender seu marido sem entender o Havaí.
A cabeça fria (alguns diriam, fria demais) tem muito do "Aloha State", o tal espírito de aceitação e acolhimento, diz Kusunoki.
Quando Obama, então senador, discursou na escola, em 2004, o professor não achou lugar na superlotada capela. Informado que o ex-aluno queria revê-lo, procurou-o, descrente, com um envergonhado toque no ombro.
"Senhor Kusu!", devolveu Obama, com um abraço. O havaiano de gestos discretos bate no peito ao contar a história. "Fiquei comovido."

CASA
Indagado se ainda apoia o ex-aluno, em meio à onda de frustração com seu governo, responde imediatamente que sim. "Ser criticado é parte do cargo, não?"
O professor ouviu sozinho e comovido, em meio à festa que espocava em cada casa de seu bairro, o resultado da eleição de 2008.
Na posse, viajou 9.000 km e diz ter passado em Washington "o maior frio" de sua vida para ver o ex-aluno, minúsculo à distância, jurar sobre a Bíblia.
Esse apoio convicto a Obama não é raro no Estado, majoritariamente democrata, onde miniaturas de sua figura sorridente vestida ora de surfista, ora empunhando uma raspadinha são vendidas em todo canto.
O presidente tira férias ali. E ali, como disse na autobiografia "A Origem dos Meus Sonhos", sempre se sentiu acolhido.
Embora relate, no livro, episódios em que se via diferente por ser negro (nunca houve muitos em Punahou), foi só depois de deixar o Havaí que Obama sentiu o que era o racismo.
Kusunoki afirma que essa sensação -a mesma que serviria de base para o então candidato a presidente construir seu discurso sobre a raça, de 2008- vem do fato de todo mundo no arquipélago ser de uma minoria.
Ele, japonês-havaiano, lembra que parte de sua família está no Brasil. Há alguns negros, muita gente de traços indígenas locais, polinésios. E brancos de diferentes ascendências em menor escala que no continente.
"Todo mundo se dá bem, está todo mundo na mesma situação. E é assim que é o Havaí, vivemos numa ilha. Estamos todos no mesmo barco", afirma.


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