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ELEIÇÕES NA ARGENTINA
De formas opostas, Kirchner e Menem reivindicam o legado do caudilho, capaz de atrair ampla lealdade
Sombra de Perón ainda magnetiza o país
CHRISTINE LEGRAND
DO "LE MONDE"
Pela primeira vez na Argentina
desde a fundação do movimento
peronista, em 1945, dois candidatos que reivindicam a herança do
general Juan Domingo Perón vão
se enfrentar num segundo turno
eleitoral, no próximo dia 18. Quase 30 anos após a morte do mítico
caudilho, as rivalidades acirradas
impediram uma candidatura única de seu movimento -havia três
candidatos peronistas no primeiro turno.
Entretanto, apesar dessa fragmentação inédita, das metamorfoses e das traições, o peronismo
continua a ser a mais importante
força política argentina. No primeiro turno, os candidatos peronistas obtiveram 60% dos votos.
Os argentinos continuam marcados pelas lembranças de Perón.
Para Atílio Boron, diretor do
Conselho Latino-americano de
Ciências Sociais (Clacso), ""o Brasil precisará de pelo menos dois
mandatos de Lula para chegar às
transformações sociais feitas pelo
peronismo entre 1946 e 1952".
Quando o coronel Juan Domingo Perón surgiu no cenário político argentino, mais de meio século
atrás, encarnou uma revolução
social do tipo nacionalista, o chamado ""justicialismo". A Argentina nos anos 40 era um país subordinado ao imperialismo estrangeiro, abalado por golpes de Estado militares e dominado pela oligarquia. Perón criou um grande
movimento social que abrangeu
desde os proprietários de terras
até os operários, passando pelos
industriais e por uma classe média que adquiriu importância
única na América Latina.
Ele nunca conseguiu realizar
uma reforma agrária, embora ela
teria sido decisiva no país, essencialmente agrícola. Mas instituiu
sindicatos fortes para defender os
trabalhadores, que passaram a
conhecer os benefícios dos contratos coletivos, da seguridade social e da aposentadoria.
""Meu único herdeiro é o povo",
dizia Perón. No momento do voto, as camadas mais pobres da população argentina continuam
leais a ele até hoje. Ele e sua mulher Evita, a ""padroeira dos pobres", nunca deixaram de exercer
um forte magnetismo póstumo.
Pragmatismo
As piscadelas em direção à esquerda de Néstor Kirchner relembram o Perón dos anos 70, com o
movimento guerrilheiro Montoneros, que dizia ser a esquerda do
peronismo.
Carlos Menem evoca o pragmatismo de Perón e se declara ""seu
melhor discípulo". Entretanto
Menem fez tudo ao contrário de
seu mestre. Ele se alinhou incondicionalmente aos EUA, inimigos
de Perón. Privatizou as empresas
nacionalizadas pelo general. Refreou os sindicatos, coluna do
movimento justicialista. Mas diz
que Perón teria feito o mesmo se
estivesse no poder hoje.
Os tempos mudaram, e o peronismo também. Mesmo assim,
seu peso explica o fracasso de
qualquer tentativa de terceira força na Argentina. Nem a direita
nem a esquerda jamais conseguiram apropriar-se da bandeira da
justiça social sobre a qual Perón
baseou sua legitimidade.
Na Europa e nos EUA, seu nome é associado ao fascismo. A Argentina, que se declarou neutra
durante a 2ª Guerra Mundial, deu
abrigo a vários nazistas. ""Perón
não foi nem revolucionário nem
fascista", diz o cientista político
Juan Carlos Portantiero. ""Ele era
fruto de uma formação ideológica
do período entre guerras, especialmente da Itália de Mussolini,
mas isso não significa que aplicou
o fascismo na Argentina."
Perón instaurou um regime paternalista e autoritário. Procurava
controlar tudo: os sindicatos, a
universidade e a imprensa.
Em 1946, Perón foi democraticamente eleito com 54% dos votos. Foi reeleito em 1951 pela preferência de mais de 60% dos eleitores. Em 1973, ao retornar de um
exílio de 18 anos em Madri, o velho caudilho, então com 74 anos,
ganhou seu terceiro mandato presidencial, com 62% dos votos.
Quando morreu, em 1º de julho
de 1974, deixou para trás um movimento profundamente dividido
e um país mergulhado no caos e
na violência dos embates entre a
extrema direita peronista e a
guerrilha.
Tradução de Clara Allain
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