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Para Armesto, guerra reabilita o indivíduo na história
SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA
Indivíduos -como George W.
Bush ou Saddam Hussein-,
mais que forças econômicas ou
sociais, podem tomar, novamente, o papel de protagonistas na
narrativa dos episódios que marcam a história da humanidade.
Para o espanhol Felipe Fernandez-Armesto, 52, este é um dos
principais debates que a guerra
no Iraque propôs a historiadores
do presente e do futuro.
Tal visão confronta duas das
mais importantes correntes historiográficas, a marxista -que vê
na luta de classes e na economia o
motor da transformação histórica- e a da chamada "nova história"-que investiga comportamentos e mentalidades coletivas.
Professor do departamento de
história moderna da Universidade de Oxford (Reino Unido), Armesto fez críticas à parte da intelectualidade internacional que viu
no 11 de setembro um divisor de
águas da história contemporânea.
Para ele, o episódio foi apenas um
ato terrorista isolado.
Já a ação anglo-americana no
Iraque, em sua opinião, tem outra
natureza. Deverá figurar, nos livros de história das futuras gerações, como parte do processo de
fortalecimento dos EUA como
uma potência intervencionista.
Armesto tornou-se internacionalmente conhecido em 1993, ao
lançar o ambicioso e elogiado
"Milênio - Uma História de Nossos Últimos Mil Anos", um compêndio sobre este vasto período
de tempo, mas com um olhar bastante particular. Neste e em outros de seus trabalhos, Armesto
relativiza a supremacia da chamada "civilização ocidental", vendo-a, dentro da história do homem,
apenas como um desvio de um
curso de narrativa dominado,
desde sempre e nos tempos vindouros, pela China.
Folha - Depois do 11 de setembro,
muitos intelectuais fizeram conjecturas as mais variadas sobre a importância do episódio na história
contemporânea. Como se pode tratar de fatos ditos "históricos" no
calor dos acontecimentos?
Felipe Fernandez-Armesto - O
mais surpreendente da guerra no
Iraque em termos de sua relevância para nossas técnicas de análise
histórica é que se recuperou uma
teoria bastante antiquada: a de
que as mudanças históricas se efetuam mediante personagens de
imenso poder, mais do que por
forças econômicas ou ideológicas.
Vimos um punhado de tipos
agressivos ao redor de um presidente americano que se mostrou
capaz de iniciar uma guerra só
porque lhe deu vontade.
Esta guerra não tem nada a ver
com o 11 de setembro. [Dick"
Cheney, [Paul" Wolfowitz e [Donald" Rumsfeld já tinham decidido lançar uma nova guerra contra
o Iraque havia alguns anos. Foi
um pretexto e um motivo para
convencer o povo norte-americano de que era necessário reagir
contra ameaças de qualquer tipo.
Folha - É possível vislumbrar hoje
que importância terá a guerra no
Iraque a longo prazo?
Armesto - Essa questão deve
abordar outros acontecimentos
parecidos da recente política internacional norte-americana -o
conflito do Kosovo, o bombardeio à Sérvia, a invasão do Afeganistão, o menosprezo às Nações
Unidas, a falta de paciência com o
sistema de relações políticas do
Ocidente. Estamos vivendo uma
época em que a atitude dos EUA
em relação ao mundo está se tornando cada vez mais intervencionista, mais hegemonista.
Folha - Como historiador, que tipo de colaboração crê que a história possa oferecer a um mundo que
discute hoje como fazer para internacionalizar a justiça?
Armesto - Nenhuma. Os conselhos da história são desesperados.
Está bem claro que necessitamos
de novas instituições de governo
mundial, novas definições do que
é uma guerra justa, novos conceitos de soberania e novas formas
de defender os direitos humanos
em países mal administrados.
Mas o mais provável é que não
tenhamos nada disso, por dois
motivos. Primeiro porque tais reformas exigem um desastre muito
grande, como o das guerras mundiais, sem o qual a inércia dos sistemas vigentes se mantém, por
piores que possam ser.
Em segundo, porque no mundo
de hoje nada pode ser feito sem a
adesão de nossa superpotência
única; e enquanto sua preponderância prosseguir, os EUA não
vão aceitar nenhuma reforma que
lhes retire poder.
Folha - Que significado o sr. crê
que tenha a queda do regime de
Saddam Hussein desde o ponto de
vista de seu símbolo como ditador?
O sr. acredita que ditadores como
ele se tornaram algo típico e datado do século 20 e que possam se
tornar um fenômeno cada vez mais
raro no 21?
Armesto - Saddam era um
monstro, mas ainda os monstros
costumam reabilitar-se por conta
do revisionismo histórico; seguramente virão defensores seus,
sobretudo se a política norte-americana no Oriente Médio fracassar, ou se os norte-americanos
mantiverem a ocupação do Iraque, ou se explorarem -como é
muito provável- seus recursos
para seu próprio benefício.
Seguirá havendo ditadores; a
única lição que se pode tirar do
ocaso de Saddam é que, para
manter seu poder, os ditadores terão de manter, antes, suas relações com os EUA.
Folha - Como o sr. vê o comportamento dos governos espanhol e
britânico nesta crise? Acha que
Blair e Aznar saem desgastados?
Armesto - Tenho pai espanhol e
mãe inglesa. Aqui no Reino Unido, sempre que o governo atua de
uma maneira que me envergonha, me refugio em minha identidade espanhola. Desta vez, infelizmente, não tive opção.
As consequências serão bem
distintas para ambos. Blair tem
um público britânico disposto a
apoiar aventuras neocolonialistas
se estas passarem a sensação de
que podem melhorar a vida de
suas vítimas. Já para Aznar, tudo
dependerá da situação interna
com os terroristas do ETA. Se os
americanos o ajudarem neste sentido, sua postura de apoio à política de Bush ficaria como que justificado para o povo espanhol.
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