São Paulo, terça-feira, 04 de maio de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

INTOLERÂNCIA

Discriminação liga imigrantes islâmicos ao terror; especialistas alertam contra racismo

Europa enfrenta "surto" de islamofobia

JOÃO BATISTA NATALI
DA REPORTAGEM LOCAL

A palavra islamofobia é recente. Apareceu no Reino Unido há coisa de 13 anos. Mas ganhou na Europa um significado mais preciso depois do 11 de Setembro e foi reforçada em março último com os atentados em Madri.
O terrorismo islâmico teve entre seus efeitos dar visibilidade à minoria muçulmana nos países europeus, disse à Folha a egípcia Fawzia Al Ashmawi, professora da Universidade de Genebra e integrante da Associação Suíça de Cultura Islâmica.
A minoria muçulmana antes se diluía nas sociedades européias que as abrigam. De uma hora para outra, o medo do terrorismo atribuiu a elas um diferencial negativo. "Ocorreram agressões a mulheres que cobrem a cabeça com o véu e atentados contra mesquitas", afirma.
Não é fácil medir a extensão do sentimento islamofóbico. A União Européia possui em Viena um Centro de Monitoramento sobre Racismo. Em 2002, ele lançou um alerta em razão do crescimento de incidentes em países até então tidos como tolerantes, como a Dinamarca e a Suécia.
Em fevereiro passado, o centro promoveu uma mesa redonda em Bruxelas, na qual basicamente constatou a gravidade do problema e recomendou políticas -nas áreas da educação e do emprego, por exemplo- capazes de contorná-lo.
"O racismo contra as minorias muçulmanas na Europa é antigo", disse à Folha Valérie Amiraux, cientista política francesa e pesquisadora no CNRS (Centro Nacional de Pesquisa Científica).
O que há de novo, segundo ela, é "um ódio pelo islã enquanto religião". Na França, nos segmentos minoritários que o professam, esse sentimento está se tornando uma forma de ódio bastante simétrica à judeofobia, forma agressiva de anti-semitismo.
Mesmo assim, segundo Amiraux, o 11 de Setembro não provocou em seu país nenhuma onda de agressões físicas ou depredações de mesquitas.
As pesquisas indicam que os franceses têm hoje uma compreensão bem mais exata dos hábitos e da religião da segunda ou terceira geração de muçulmanos imigrados. Mas persiste a discriminação étnica. Um dos mais notórios indícios, argumenta a pesquisadora, foi a Lei do Véu, que proíbe as adolescentes islâmicas de cobrirem a cabeça nas escolas.
Tal lei seria "impensável no Reino Unido", disse à Folha Tim Niblock, diretor do Instituto de Estudos Islâmicos e Árabes da Universidade de Exeter.
Tradicionalmente, os britânicos enxergam a si próprios como uma soma de diversidades culturais -ingleses, galeses-, cuja recente experiência com o terrorismo está ligada ao IRA, o Exército Republicano Irlandês.
Mesmo assim, Niblock diz que, de dois anos para cá, alguns britânicos demonstram menor tolerância com os muçulmanos.
O 11 de Setembro teve no Reino Unido dois efeitos contrários. Pelo primeiro, segmentos cada vez maiores da população passaram a identificar o islamismo com o terrorismo. Mas, paralelamente, quando o premiê Tony Blair se preparava para invadir o Iraque ao lado dos EUA, as manifestações contrárias à guerra foram fortes porque cidadãos britânicos e imigrantes muçulmanos fundiram-se sob uma idéia que também rejeitava a discriminação.
A possibilidade de a Turquia ingressar na União Européia trará um componente islâmico muito mais forte. "Há um longo processo de educação das pessoas para a nova realidade", diz Niblock.
Não se conhece o impacto da islamofobia no mercado de trabalho. Fawzia Al Ashmawi, a professora de Genebra, diz ter informações de que a o desemprego entre imigrantes muçulmanos na Europa é hoje maior que a dos trabalhadores brancos e negros.
"Ao se candidatar a um emprego, alguém que se chame Mohammed tem sua candidatura de imediato descartada", diz ela.
Ashmawi é autora de um estudo de 1999 sobre a imagem que os livros didáticos europeus davam do islamismo. Ela está refazendo a pesquisa e diz que essa imagem se degradou. "Há mapas do Oriente Médio apresentados como região de terroristas e inimigos da democracia", diz ela.
Se nos Estados Unidos criticar o islamismo é se posicionar ao lado dos conservadores "patriotas", na Europa tal posicionamento levaria seu autor a um alinhamento bem mais comprometedor -ao lado da extrema direita.
Há poucas exceções, como a do historiador Alain Bensançon, para quem o islamismo inspiraria uma justificada reserva em razão da diluição da identidade européia em meio à aceitação indistinta da diversidade cultural.
E há também os casos mais caricaturais, como o da jornalista italiana Oriana Fallaci. Ela está lançando seu segundo panfleto antiislâmico após o 11 de novembro. Chama-se "A Força da Razão".
Ela retoma o argumento segundo o qual os europeus têm razão em temer os árabes, porque hoje vivem numa "Eurábia", invadida por imigrantes com taxas de fertilidade superiores às dos cristãos, e por hospedarem os que supostamente só conhecem a linguagem do ódio. Seu primeiro panfleto, "O Ódio e o Orgulho", vendeu 160 mil exemplares.


Texto Anterior: Internet: Vírus Sasser contamina milhões de micros
Próximo Texto: Paris e Madri fecham o cerco contra radicais
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.