|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ENTREVISTA/CUAUHTÉMOC CÁRDENAS
"Muro vai se abrir quando Estados Unidos precisarem"
Para líder histórico da esquerda mexicana, fronteira se afrouxará quando EUA quiserem importar mão-de-obra barata
CUAUHTÉMOC CÁRDENAS , 72, foi um dos
maiores responsáveis pela transição democrática no México. Filho de um dos presidentes mais populares do país, Lázaro
Cárdenas (1934-1940), ele foi o primeiro governador
eleito pelo voto direto da Cidade do México, em 1997.
Fundou o Partido da Revolução Democrática, o maior
de esquerda do país, e disputou três vezes a Presidência. Hoje seu partido tem chances de chegar ao poder.
RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL
Fundador e "líder moral" do
principal partido de esquerda
do México, Cuauhtémoc Cárdenas, 72, acusa a "conveniência" da política imigratória
americana e do muro que os
EUA vão construir na fronteira.
"O muro vai ganhar buracos
feitos pelos americanos quando os EUA precisarem de mão-de-obra barata. A fronteira
sempre foi assim."
Está cético, apesar da possibilidade de vitória de Andrés
Manuel López Obrador, candidato do seu partido nas eleições
em 2 de julho. "Até agora só
houve marketing na campanha
e nada de propostas", afirma.
"Não está claro até onde ele estaria disposto a chegar com as
mudanças sociais, que avanços
podem se dar. Essa deveria ser
a medida de sucesso para um
governo de esquerda". Convidado para um evento da Secretaria Municipal de Relações Internacionais no Memorial da
América Latina, em São Paulo,
ele falou à Folha.
FOLHA - Os americanos querem impedir a imigração com um muro de
quase 1.000 quilômetros. Vão conseguir?
CÁRDENAS - Não, porque o muro vai se fechar ou se abrir de
acordo com a conveniência da
economia americana, dos serviços americanos. Como sempre foi. Quando não faz falta, a
vigilância e as barreiras na
fronteira ficam mais pesadas.
Quando eles estão precisando
de mão-de-obra barata, afrouxam. Vai acontecer o mesmo.
Vão aparecer "buracos" no muro, sempre que os americanos
quiserem.
FOLHA - Uma política hipócrita?
CÁRDENAS - É uma maneira de
satisfazer os setores mais conservadores da política americana. Dos mais racistas.
FOLHA - O presidente Fox deveria
ser mais duro ao defender os imigrantes mexicanos ilegais nos EUA?
CÁRDENAS - Precisamos de uma
batalha de relações públicas e
fazer muito lobby. A sociedade
e o governo americanos precisam reconhecer a importância
dos imigrantes para o progresso dos EUA. É um universo de
27 milhões de mexicanos e descendentes, e 10 milhões deles,
ilegais, estão ameaçados.
FOLHA - Se a esquerda vencer as
eleições, o México pode se aproximar mais da América Latina, ter
uma política externa mais autônoma em relação aos EUA?
CUAUHTÉMOC CÁRDENAS - Ninguém sabe até aonde López
Obrador quer chegar com as
mudanças sociais, que avanços
podem ser obtidos. Essa seria a
medida de sucesso de um governo de esquerda.
FOLHA - López Obrador é acusado
de populista, de ser o Chávez do México. Quanto há de verdade nisso?
CÁRDENAS - Se populismo é fazer promessas irrealizáveis, todos os candidatos nessa campanha são populistas. Prometeram muito sem dizer "como
fazer". O marketing predomina. Programas de governo podem até estar em estudo, mas
ninguém os viu.
FOLHA - A relação com os Estados
Unidos deveria mudar?
CÁRDENAS - Precisamos rever a
abertura comercial com os
EUA na agricultura, muito prejudicial aos produtos mexicanos, com os subsídios que eles
dão aos seus produtores. O Nafta precisaria criar fundos de investimento, como os europeus
fizeram para Portugal, Espanha, Grécia e agora para os vizinhos do leste. Um fundo de ajuda do país mais desenvolvido
aos mais pobres. Mas falta intenção real para reduzir diferença.
FOLHA - Qual é o balanço que o senhor faz do governo Fox?
CÁRDENAS - Apesar do avanço
eleitoral, praticamente não tivemos crescimento econômico. A média foi inferior ao crescimento da população, que é de
2%. O poder de compra dos salários foi reduzido e uns 400
mil postos de trabalho se perderam. Isso se vê claramente
com a imigração de mexicanos
aos EUA. Nestes anos, pelo menos 2,5 milhões de mexicanos
atravessaram a fronteira, 500
mil por ano. Esse é um dos motivos para a tensão social não
ser tão forte. A imigração é nossa válvula de escape.
FOLHA - O desemprego cresceu
porque muitas fábricas se mudaram
para a China?
CÁRDENAS - A culpa é do México, não da China. Sem negar a
agressividade da economia chinesa, os desequilíbrios que
existem entre os EUA e o México, os fortes subsídios agrícolas
americanos. Nem fizemos um
esforço consistente para o produtor mexicano ser mais competitivo.
FOLHA - Como o senhor explica,
então, que a popularidade de Fox,
depois de cinco anos e meio de mandato, esteja acima dos 60%?
CÁRDENAS - Ele é extremamente popular. Fox percorreu o
país permanentemente. Tem
uma personalidade pouco formal, demonstra muita simplicidade no trato, é muito cálido.
Tropeça freqüentemente nas
suas próprias declarações. Por
alguma razão, isso agrada ao
povo.
FOLHA - Não só isso. O candidato
de Fox, Felipe Calderón, está em primeiro lugar nas pesquisas.
CÁRDENAS - Calderón é seu candidato e não é seu candidato ao
mesmo tempo. O candidato
preferido do presidente dentro
do seu partido não era Calderón. Mas este ganhou a contenda interna, apesar de muitos
obstáculos. Tanto que, ao dar
sinais de que queria se candidatar, teve que deixar o ministério. Dentro do partido, ele era a
oposição. Isso lhe dá independência, pode falar de certos assuntos com autonomia.
Texto Anterior: "Eixo do mal": Irã afirma que negociação nuclear é viável Próximo Texto: Frases Índice
|