São Paulo, domingo, 04 de junho de 2006

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ENTREVISTA/CUAUHTÉMOC CÁRDENAS

"Muro vai se abrir quando Estados Unidos precisarem"

Para líder histórico da esquerda mexicana, fronteira se afrouxará quando EUA quiserem importar mão-de-obra barata

CUAUHTÉMOC CÁRDENAS , 72, foi um dos maiores responsáveis pela transição democrática no México. Filho de um dos presidentes mais populares do país, Lázaro Cárdenas (1934-1940), ele foi o primeiro governador eleito pelo voto direto da Cidade do México, em 1997. Fundou o Partido da Revolução Democrática, o maior de esquerda do país, e disputou três vezes a Presidência. Hoje seu partido tem chances de chegar ao poder.

RAUL JUSTE LORES
DA REPORTAGEM LOCAL

Fundador e "líder moral" do principal partido de esquerda do México, Cuauhtémoc Cárdenas, 72, acusa a "conveniência" da política imigratória americana e do muro que os EUA vão construir na fronteira. "O muro vai ganhar buracos feitos pelos americanos quando os EUA precisarem de mão-de-obra barata. A fronteira sempre foi assim." Está cético, apesar da possibilidade de vitória de Andrés Manuel López Obrador, candidato do seu partido nas eleições em 2 de julho. "Até agora só houve marketing na campanha e nada de propostas", afirma. "Não está claro até onde ele estaria disposto a chegar com as mudanças sociais, que avanços podem se dar. Essa deveria ser a medida de sucesso para um governo de esquerda". Convidado para um evento da Secretaria Municipal de Relações Internacionais no Memorial da América Latina, em São Paulo, ele falou à Folha.
 

FOLHA - Os americanos querem impedir a imigração com um muro de quase 1.000 quilômetros. Vão conseguir?
CÁRDENAS
- Não, porque o muro vai se fechar ou se abrir de acordo com a conveniência da economia americana, dos serviços americanos. Como sempre foi. Quando não faz falta, a vigilância e as barreiras na fronteira ficam mais pesadas. Quando eles estão precisando de mão-de-obra barata, afrouxam. Vai acontecer o mesmo. Vão aparecer "buracos" no muro, sempre que os americanos quiserem.

FOLHA - Uma política hipócrita?
CÁRDENAS
- É uma maneira de satisfazer os setores mais conservadores da política americana. Dos mais racistas.

FOLHA - O presidente Fox deveria ser mais duro ao defender os imigrantes mexicanos ilegais nos EUA?
CÁRDENAS
- Precisamos de uma batalha de relações públicas e fazer muito lobby. A sociedade e o governo americanos precisam reconhecer a importância dos imigrantes para o progresso dos EUA. É um universo de 27 milhões de mexicanos e descendentes, e 10 milhões deles, ilegais, estão ameaçados.

FOLHA - Se a esquerda vencer as eleições, o México pode se aproximar mais da América Latina, ter uma política externa mais autônoma em relação aos EUA?
CUAUHTÉMOC CÁRDENAS
- Ninguém sabe até aonde López Obrador quer chegar com as mudanças sociais, que avanços podem ser obtidos. Essa seria a medida de sucesso de um governo de esquerda.

FOLHA - López Obrador é acusado de populista, de ser o Chávez do México. Quanto há de verdade nisso?
CÁRDENAS
- Se populismo é fazer promessas irrealizáveis, todos os candidatos nessa campanha são populistas. Prometeram muito sem dizer "como fazer". O marketing predomina. Programas de governo podem até estar em estudo, mas ninguém os viu.

FOLHA - A relação com os Estados Unidos deveria mudar?
CÁRDENAS
- Precisamos rever a abertura comercial com os EUA na agricultura, muito prejudicial aos produtos mexicanos, com os subsídios que eles dão aos seus produtores. O Nafta precisaria criar fundos de investimento, como os europeus fizeram para Portugal, Espanha, Grécia e agora para os vizinhos do leste. Um fundo de ajuda do país mais desenvolvido aos mais pobres. Mas falta intenção real para reduzir diferença.

FOLHA - Qual é o balanço que o senhor faz do governo Fox?
CÁRDENAS
- Apesar do avanço eleitoral, praticamente não tivemos crescimento econômico. A média foi inferior ao crescimento da população, que é de 2%. O poder de compra dos salários foi reduzido e uns 400 mil postos de trabalho se perderam. Isso se vê claramente com a imigração de mexicanos aos EUA. Nestes anos, pelo menos 2,5 milhões de mexicanos atravessaram a fronteira, 500 mil por ano. Esse é um dos motivos para a tensão social não ser tão forte. A imigração é nossa válvula de escape.

FOLHA - O desemprego cresceu porque muitas fábricas se mudaram para a China?
CÁRDENAS
- A culpa é do México, não da China. Sem negar a agressividade da economia chinesa, os desequilíbrios que existem entre os EUA e o México, os fortes subsídios agrícolas americanos. Nem fizemos um esforço consistente para o produtor mexicano ser mais competitivo.

FOLHA - Como o senhor explica, então, que a popularidade de Fox, depois de cinco anos e meio de mandato, esteja acima dos 60%?
CÁRDENAS
- Ele é extremamente popular. Fox percorreu o país permanentemente. Tem uma personalidade pouco formal, demonstra muita simplicidade no trato, é muito cálido. Tropeça freqüentemente nas suas próprias declarações. Por alguma razão, isso agrada ao povo.

FOLHA - Não só isso. O candidato de Fox, Felipe Calderón, está em primeiro lugar nas pesquisas.
CÁRDENAS
- Calderón é seu candidato e não é seu candidato ao mesmo tempo. O candidato preferido do presidente dentro do seu partido não era Calderón. Mas este ganhou a contenda interna, apesar de muitos obstáculos. Tanto que, ao dar sinais de que queria se candidatar, teve que deixar o ministério. Dentro do partido, ele era a oposição. Isso lhe dá independência, pode falar de certos assuntos com autonomia.


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