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[+]entrevista
"Polarização de 2002 voltou à Venezuela"
FABIANO MAISONNAVE
DE CARACAS
A intolerância do presidente Hugo Chávez diante
das manifestações contra o
fim da concessão da emissora oposicionista RCTV está
levando a Venezuela de volta
ao clima de polarização da
época do golpe de Estado de
abril de 2002, avalia o advogado Marino Alvarado, diretor da influente ONG Provea
(Programa Venezuelano de
Educação-Ação em Direitos
Humanos).
A organização, financiada
por países como Reino Unido, Suíça e Finlândia, já foi
elogiada publicamente por
Chávez. Atualmente, a Provea participa de uma coalizão de ONGs que tem atuado
como observadora dos protestos estudantis.
Ex-dirigente estudantil,
Alvarado, 46, militou ao lado
de alguns membros do governo Chávez, entre os quais
o vice-presidente Jorge Rodríguez. Leia, a seguir, a entrevista concedida de pé à
Folha na última sexta-feira,
no espaço que separava os
estudantes impedidos de
marchar -o governo Chávez
alegou falta de permissão- e
um cordão de segurança de
policiais da tropa de choque:
FOLHA - O governo tem tratado
as manifestações da situação e
da oposição da mesma maneira?
MARINO ALVARADO - As manifestações do governo não pedem nenhuma permissão como os estudantes têm de pedir. Eles saem em marchas
espontâneas, o que é correto.
A atitude correta do governo
é que, se a marcha é pacífica,
independentemente da posição, pode circular pelas ruas.
Mas há um comportamento
discriminatório, que favorece as marchas pró-governo,
mas impõe várias travas às
marchas que respondem a
uma política do governo.
A mim me parece bastante
perigoso que os espaços contrários ao governos sejam fechados. Isso, lamentavelmente, empurra as pessoas a buscar outros espaços que
não sejam democráticos. Se o
governo mantém esse tipo de
atitude, vai gerar violência.
FOLHA - A intensa polarização
de 2002 e 2003 voltou?
ALVARADO - Lamentavelmente, sim, estimulada pelo
governo. A quantidade de votos que o presidente Chávez
ganhou [no ano passado, ele
foi reeleito com mais de 60%
dos votos] não está sendo
utilizada por ele para unificar o país, para buscar um
diálogo entre os diversos setores. Com a medida que ele
adotou de fechar [o canal
RCTV] e não escutar um setor importante da oposição,
está regressando a épocas de
polarização. Tomara que não
voltemos à época da violência política. Entre 2002 e
2003, houve 102 mortos em
conseqüência da violência
política, em atitudes irracionais tanto de funcionários do
Estado como de indivíduos.
FOLHA - Qual o significado das
marchas estudantis anti-Chávez?
ALVARADO - Pela primeira
vez na história da Venezuela,
as universidades públicas e
privadas estão juntas. Historicamente, os estudantes
protestavam aqui sobre temas diretamente vinculados
à educação. Agora, estão
marchando por um direito
humano, a liberdade de expressão. Há um discurso político de alto nível dos estudantes, que lamentavelmente está sendo desqualificado
pelo governo, que acusa essas manifestações de golpistas, como se tudo fosse uma
conspiração. Se estão os
conspiradores, para isso estão os órgãos de inteligência.
Fui ativista estudantil ao
lado de muita gente que está
hoje no governo, e alguns
ainda são amigos meus. Sei
que vêm de carreira política
de protestos, alguns deles
violentos. No entanto desqualificam os protestos. Neste país, protestar se tornou
um delito. O Ministério Público está abrindo processos
permanentemente contra
qualquer pessoa que faz manifestação, e esses ex-dirigentes respaldam isso.
FOLHA - O sr. considera a Venezuela uma democracia?
ALVARADO - Sim, o governo
Hugo Chávez é legítimo, ganhou as eleições num processo democrático. Mesmo
com o fechamento da RCTV,
não se pode afirmar que não
há liberdade de expressão na
Venezuela. O que acreditamos é que os contornos autoritários continuam avançando, mas isso não pode levar à conclusão de que estejamos
na ditadura nem que a democracia esteja perdida.
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