São Paulo, quarta-feira, 04 de julho de 2001

Próximo Texto | Índice

JUSTIÇA

Na primeira audiência do processo, ex-ditador chama órgão da ONU de "ilegal" e recusa-se a apontar advogado

Milosevic desafia tribunal internacional

DA REDAÇÃO

O ex-ditador Slobodan Milosevic, 59, desafiou ontem o tribunal da ONU para crimes de guerra em Haia, na Holanda, dizendo aos juízes que a corte é um instrumento "ilegal" que trabalha para seus inimigos da Otan (aliança militar ocidental) e recusando-se a declarar-se inocente ou culpado no que se refere às acusações de crimes contra a humanidade cometidos em Kosovo, em 1999, que pesam sobre ele.
Em sua primeira aparição pública desde que foi extraditado pelas autoridades reformistas sérvias, na última quinta-feira, o ex-presidente iugoslavo também se recusou a apontar um advogado de defesa, numa demonstração de desprezo pela corte.
"Considero esse tribunal um falso tribunal", disse o ex-ditador em inglês. Mas os promotores disseram que sua tática não impediria a realização de um julgamento, que, provavelmente, só ocorrerá no ano que vem.
Alguns observadores, incluindo os políticos reformistas sérvios que o destituíram em outubro passado, disseram acreditar que se trate do último argumento de um ex-chefe de Estado que pode terminar sua vida na cadeia. Com pouco a perder, ele pareceu estar desempenhando um papel para seus poucos admiradores sérvios.
Outras acusações, incluindo a de genocídio, podem ser adicionadas às já existentes, segundo Carla del Ponte, principal promotora do tribunal de Haia. A próxima audiência só deve ocorrer em agosto. O julgamento propriamente dito não deve começar antes de 2002.
"O indiciamento é falso. É ilegal, pois [o tribunal" não foi criado pela Assembléia Geral da ONU. Assim, não tenho de apontar um advogado para um órgão ilegal", disse o ex-ditador iugoslavo, que se formou em direito há 37 anos.
Em 1999, Milosevic tornou-se o primeiro chefe de Estado a ser indiciado por um tribunal internacional para crimes de guerra enquanto ainda estava no poder.

"Problema seu"
Após exortá-lo a apontar um advogado, o juiz Richard May perguntou a Milosevic se ele queria que o indiciamento fosse lido.
O texto contém acusações de crimes contra a humanidade, incluindo assassinatos em massa e deportações, e de desrespeito à Convenção de Genebra (que estabelece normas de conduta em conflitos), ocorrido na campanha de "limpeza étnica" realizada pelos sérvios em Kosovo, em 1999.
Retirando suas mãos do queixo, Milosevic resmungou, em inglês, em resposta à pergunta de May: "Isso é problema seu".
"A performance de Milosevic foi puramente endereçada aos sérvios", disse Avril McDonald, especialista em direito internacional do Instituto Asser, de Haia.
"Milosevic ainda não percebeu onde realmente está. Ele ainda acredita ser um político", disse Goran Vesic, funcionário graduado do Partido Democrático da Sérvia, atualmente no poder em Belgrado. Para Zoran Djindjic, premiê sérvio que entregou o ex-ditador às autoridades internacionais, o caso está encerrado para a Sérvia, pois ele deve enfrentar agora a Justiça internacional.
Milosevic permaneceu no poder por 13 anos. Foi deposto em outubro passado após um levante popular e preso em abril sob acusação de abuso de poder. Ele foi extraditado pelas autoridades sérvias na última quinta-feira.

República Srpska
O governo da República Srpska (ou República Sérvia da Bósnia) enviou ontem ao Parlamento um projeto de lei que prevê a total cooperação com o tribunal de Haia. Acredita-se que os dois suspeitos de crimes de guerra mais conhecidos já indiciados pelo tribunal da ONU estejam na República Srpska. Trata-se dos líderes sérvios da Bósnia Radovan Karadzic e Ratko Mladic.


Com agências internacionais


Próximo Texto: Promotora-chefe faz crítica à inação da Otan
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.