São Paulo, domingo, 04 de julho de 2010

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ENTREVISTA MAURICIO FUNES

Forças de segurança foram superadas pela delinquência


PRESIDENTE DE EL SALVADOR DIZ QUE DEBILIDADE INSTITUCIONAL JUSTIFICA ENTRADA DO EXÉRCITO NA DISPUTA ENTRE ESTADO E CRIME ORGANIZADO

Luis Romero - 23.jun.2010/Associated Press
Presidente de El Salvador anuncia maior papel do Exército contra o crime

CLÓVIS ROSSI
COLUNISTA DA FOLHA

Quando o presidente da República, sendo de um partido que enfrentou o Exército durante uma autêntica guerra civil, chama o Exército para outra guerra, esta do Estado contra o crime organizado, é porque a situação está próxima de sair do controle.
É o que está acontecendo em El Salvador: o presidente Mauricio Funes, eleito pela Frente Farabundo Martí de Libertação Nacional, grupo guerrilheiro nos anos 80, acaba de colocar quase 40% dos efetivos das Forças Armadas para ajudar a polícia.
Seu argumento, em entrevista exclusiva à Folha, por e-mail: "Há anos, nossas forças de segurança foram ultrapassadas pela delinquência e pelo crime organizado". Funes admite que a debilidade institucional de seu país -avaliação que vale para toda a América Central e outros países latino-americanos- "apresenta o risco de contaminação da maior parte das instituições do Estado, incluindo a polícia, o Ministério Público e o Judiciário". Apesar de recente, a entrada do Exército na luta contra o crime merece avaliação positiva: "Permitiu maior eficácia no controle territorial, dada a disputa entre o Estado e o crime organizado, sobretudo as quadrilhas e os cartéis da droga, que mantêm uma presença quase permanente em algumas zonas do país".

 

Folha - El Salvador, como o México, está utilizando forças militares contra o crime organizado. Quais são as razões para uma ação que costuma ser muito polêmica, mais ainda em se tratando de um governo de esquerda?
Mauricio Funes -
A decisão de envolver o Exército em tarefas de segurança pública nada tem a ver com a ideologia do governo que a implementa. Não é um assunto de esquerda ou direita. O receio que tradicionalmente tiveram governos de esquerda está vinculado ao passado das Forças Armadas, quando usadas como parte do aparelho repressivo do Estado.
Essa é uma realidade superada pelos acordos de paz de 1992. Desde então, o Exército se converteu em um corpo profissional, subordinado à autoridade civil.
Em nosso caso, a própria Constituição, reformada em virtude desses acordos, confere à Força Armada as funções de defesa nacional e resguardo da soberania. Mas, sob condições excepcionais e por um tempo determinado, o Exército pode ser utilizado em tarefas de segurança pública, desde que a polícia tenha esgotado sua capacidade institucional para enfrentar a delinquência.
Há anos, nossas forças de segurança foram ultrapassadas pela delinquência comum e pelo crime organizado. Este governo, que assumiu faz pouco mais de um ano, herdou uma polícia com orçamento pequeno, equipamento escasso e infiltrada pelo crime organizado em algumas áreas e comandos. O Exército não foi chamado para assumir tarefas de segurança pública em substituição à polícia. Seu trabalho complementa o que desenvolvem as forças policiais.
Não militarizamos o país.
A decisão do governo é a de empregar quase 40% dos efetivos militares em apoio à Polícia Nacional Civil.

O assassinato do candidato do PRI ao governo do Estado mexicano de Tamaulipas gerou a sensação de que o tráfico desafia a democracia diretamente. Como o problema de segurança na América Central é tão grave como o do México, o governo salvadorenho também teme uma eventual desestabilização?
A fragilidade de nossas instituições é um problema herdado após duas décadas de governos da direita que apostaram na desarticulação do Estado, para convertê-lo em aparato a serviço de interesses corporativos de importantes grupos empresariais. Esta debilidade institucional apresenta o risco de contaminação da maior parte das instituições do Estado, incluindo a polícia, o Ministério Público e o Judiciário.
As "maras" [quadrilhas, no jargão centro-americano] deixaram de ser um grupo organizado de jovens rebeldes insatisfeitos com a sociedade para virarem grupos a serviço do crime organizado.

Há algum tipo de coordenação entre os países centro-americanos em segurança? É possível enfrentar as "maras" sem essa coordenação?
É um problema transnacional, que não pode ser resolvido só no nível local. Pelo menos em Guatemala, Honduras e El Salvador, temos problemas de delinquência ligados à ação das "maras". Já estabelecemos uma estratégia comum, que começou com a troca de informação e a coordenação de polícias e Exércitos na fronteira. Mas reconheço que não é suficiente. Trabalhamos na formulação de um plano regional de combate à delinquência que nos levará a buscar recursos em países amigos, especialmente os EUA.

Já há resultados da ação das Forças Armadas na área de segurança pública?
Embora as Forças Armadas estejam pensadas mais para a ação ofensiva do que para assumir a responsabilidade da segurança pública, em tempos de paz elas podem ter o seu papel redefinido para assumir tarefas que permitam alcançar maiores níveis de harmonia e convivência com a cidadania.
No caso salvadorenho, o seu emprego não somente devolveu a confiança dos cidadãos na capacidade do governo de enfrentar a delinquência mas, na prática, permitiu maior eficácia no controle territorial, dada a disputa que existe entre o Estado e o crime organizado, sobretudo as quadrilhas e os cartéis da droga, que mantêm uma presença quase permanente em algumas zonas do pais.

Folha.com

Há elos entre tráfico e ultradireita, diz Funes
folha.com.br/mu761426


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