São Paulo, sábado, 4 de julho de 1998

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EPIDEMIA
Promiscuidade é um dos principais motivos para a rápida disseminação da doença na ilha dinamarquesa
Aids ameaça esquimós da Groenlândia

KATHERINE BUTLER
do "The Independent", em Nuuk

Os esquimós enfrentam hoje a maior ameaça à sua sobrevivência desde que missionários dinamarqueses levaram a varíola à Groenlândia, em 1733.
Os médicos temem que o país esteja prestes a mergulhar numa epidemia de Aids. Os doentes se reúnem quase todos os dias, pela manhã, na escadaria de madeira ao lado do supermercado Brugsen.
De início, são dois ou três, depois outros aparecem, aparentemente vindos do nada, carregando sacos de plástico cheios de garrafas de cerveja para ajudá-los a suportar mais um dia nas ruas da capital da ilha, Nuuk.
De vez em quando, descem até o porto de Nuuk para mudar de ares. Os que estão em pior situação se dirigem ao novo centro de tratamento de Aids montado no hospital geral da cidade.
Todos em Nuuk chamam o hospital Rainha Ingrid de sanatório -resquícios da época em que a tuberculose era a doença que mais matava na Groenlândia.
As novas descobertas, resultantes de quatro anos de pesquisa com a doença na Groenlândia, são "alarmantes", segundo Morten Winthereik, médico dinamarquês do Rainha Ingrid.
Ele está convencido de que o perigo de uma epidemia de Aids em grande escala no país é grande e está pedindo pesquisas urgentes sobre a nova linhagem do vírus encontrada na Groenlândia.
Já há mais de 80 casos confirmados entre a população inuit (esquimó), que chega a apenas 50 mil habitantes. Acredita-se que haja muitos outros que não chegaram a ser registrados porque as vítimas abandonaram suas comunidades pequenas e fechadas, optando pelo anonimato na Dinamarca.
O padrão de contaminação difere daquele da Europa, onde os índices estão estagnando ou começando a cair. Segundo Winthereik, "considerando-se o tamanho da população e o índice de aumento, os números são alarmantes".
Winthereik começou a estudar o assunto em 1994, quando médicos de Sisimiut (320 km ao norte de Nuuk) observaram um aumento estrondoso no número de casos. Em 1993, havia apenas dois casos conhecidos de contaminação por HIV na Groenlândia. No ano seguinte, havia sete. Em 1995, 14.
A cada ano o número de novos casos aumenta, principalmente em Sisimiut e na capital. As comparações indicam que a Aids está aumentando três vezes mais rapidamente na Groenlândia do que na Europa. O tempo entre a contaminação e a manifestação da doença na região é muito menor -às vezes de apenas seis meses.

Promiscuidade
O que mais preocupa a comunidade médica na Groenlândia é a disseminação do HIV numa população cujo comportamento sexual é cientificamente descrito como promíscuo.
Embora a maioria dos casos conhecidos de Aids se restrinja às pessoas que vivem nas ruas, grupo formado por alcoólatras, desempregados e sem-teto na faixa etária dos 40 aos 50 anos, teme-se que um número grande de jovens groenlandeses, para quem o sexo descompromissado é seu modo de vida habitual, possa morrer se a doença se espalhar.
Winthereik descreve o comportamento sexual na capital como sendo "de alto risco". Os sábados à noite em Nuuk são quase uma atração turística, devido à intensidade da vida noturna e ao amplo consumo de álcool. "Todo mundo bebe, não há lugar aonde ir, então o jeito é fazer festa", diz Inga Kasser, da rádio local KNR.


Tradução de Clara Allain



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