São Paulo, terça-feira, 04 de setembro de 2001

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CONFERÊNCIA CONTRA O RACISMO

Para Paulo Sérgio Pinheiro, potências não querem assumir responsabilidades históricas porque temem eventuais indenizações

"Esta é a conferência do medo", diz analista

DA ENVIADA ESPECIAL

Para o cientista político Paulo Sérgio Pinheiro, da Universidade de São Paulo, a saída dos EUA e de Israel da Conferência das Nações Unidas contra o Racismo é mais um sinal do retrocesso comandado pelas grandes potências na área de direitos humanos.
O medo das grandes potências diante de suas responsabilidades históricas é, segundo ele, uma das marcas da conferência contra o racismo, em Durban. A responsabilidade histórica pode implicar também responsabilidade jurídica -reparações, indenizações ou compensações, num termo que tem provocado polêmica.
Pinheiro não é o único brasileiro a lamentar a saída dos EUA e de Israel da conferência. O embaixador Gilberto Saboia, principal negociador na conferência de Durban, disse ontem que, apesar de compartilhar da opinião, acredita ser importante que o Brasil continue participando do encontro. Para Saboia, estão repercutindo no encontro oficial decisões tomadas no encontro das ONGs -como a consideração feita a Israel como Estado racista. "Isso é lamentável", afirmou. O Brasil é contra a citação a Israel ou a qualquer outro Estado como culpado por crimes de racismo.
"Esta é, para mim, a conferência do medo", afirma Pinheiro, 57, que é coordenador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da USP. O cientista político veio a Durban como membro da subcomissão de Promoção e Proteção dos Direitos Humanos, órgão da ONU em Genebra no qual atua como especialista.
"Agora são as assim chamadas democracias ocidentais que puxam o retrocesso. Estão preocupadas em ter de pagar indenizações", argumenta.
A seguir, trechos da entrevista.

Folha - O que o sr. achou da saída dos Estados Unidos e de Israel do encontro de Durban?
Paulo Sérgio Pinheiro -
É a consequência da atuação negativista e isolacionista dos Estados Unidos e de Israel. Todo o clima da conferência, com ameaças de boicote, já deixava entrever isso. Israel foi se isolando cada vez mais -chega ao ponto de não participar dos grupos regionais- e a saída para eles foi deixar Durban. Eles não querem assumir nenhum debate sobre a situação do povo palestino, que é hoje um problema que concerne ao mundo todo.

Folha - Qual a sua análise da conferência até agora?
Pinheiro -
Vejo esta conferência como um encontro marcado pelo medo dos grandes países de assumir suas responsabilidades. Os europeus não querem falar de imigrantes, os Estados Unidos não querem falar de reparações nem de Israel, tanto que estão saindo. O Reino Unido não quer falar da questão dos povos indígenas, porque tem medo de garantir o direito de autodeterminação dos povos. Eu me sinto como nos tempos da Cortina de Ferro, mas com os sinais trocados. Agora são as assim chamadas democracias ocidentais que puxam o retrocesso. Estão preocupadas em ter de pagar indenizações a esses grupos, então assumem esse discurso do retrocesso.

Folha - Quem está, na sua avaliação, em posição avançada?
Pinheiro -
Cito a Guatemala, que está defendendo a inclusão da discussão sobre castas na Índia na agenda da conferência. Veja a coragem da Guatemala. A Suíça havia feito essa proposta e retirou. O que eu acho patético é a ausência das grandes democracias latino-americanas do debate. Lutamos tanto contra o silêncio latino-americano que não podemos aceitar o alinhamento da América Latina com as posições dos EUA. Vários países latino-americanos receberam apelos do Departamento de Estado dos EUA para que dessem apoio às posições deles aqui. Com isso, o vazio do discurso latino-americano acaba sendo ocupado por Fidel Castro, que na ausência de outros chefes de Estado, fez um discurso moderno contra os efeitos da globalização. Os países latino-americanos teriam de fazer uma condenação formal ao terrorismo contra os palestinos e pedir que Israel respeite as determinações da ONU sobre o povo palestino.

Folha - Como o sr. analisa o papel do Brasil?
Pinheiro -
Acho até que o Brasil fez o seu dever de casa, preparou-se para a conferência e tem assumido algumas posições interessantes, como o reconhecimento da discriminação por orientação sexual. Embora tenha um padrão alto de violação dos direitos humanos, tem uma postura ativa nessa conferência. É importante, por exemplo, termos uma relatora brasileira, uma pessoa da sociedade civil.

Folha - O que o sr. acha da demanda por reparações?
Pinheiro -
Defendo as reparações. Veja que a União Européia não quer reconhecer nada nessa área para os países africanos, é um absurdo. Mas acho que fazer reparação não é dar cheque, é tecnologia, é desenvolvimento, é garantir políticas públicas. De qualquer modo, acho que o fato de essa conferência ter se realizado já é um fato histórico, pois estamos aqui a discutir problemas contemporâneos. Acho que os efeitos de Durban virão aos poucos. Isso é o que eu considero mais importante, é a agenda pós-Durban, o comprometimento do governo e o acompanhamento da sociedade civil sobre tudo o que ficar definido aqui.


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