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CONFERÊNCIA CONTRA O RACISMO
Para Paulo Sérgio Pinheiro, potências não querem assumir responsabilidades históricas porque temem eventuais indenizações
"Esta é a conferência do medo", diz analista
DA ENVIADA ESPECIAL
Para o cientista político Paulo
Sérgio Pinheiro, da Universidade
de São Paulo, a saída dos EUA e de
Israel da Conferência das Nações
Unidas contra o Racismo é mais
um sinal do retrocesso comandado pelas grandes potências na
área de direitos humanos.
O medo das grandes potências
diante de suas responsabilidades
históricas é, segundo ele, uma das
marcas da conferência contra o
racismo, em Durban. A responsabilidade histórica pode implicar
também responsabilidade jurídica -reparações, indenizações ou
compensações, num termo que
tem provocado polêmica.
Pinheiro não é o único brasileiro a lamentar a saída dos EUA e
de Israel da conferência. O embaixador Gilberto Saboia, principal
negociador na conferência de
Durban, disse ontem que, apesar
de compartilhar da opinião, acredita ser importante que o Brasil
continue participando do encontro. Para Saboia, estão repercutindo no encontro oficial decisões
tomadas no encontro das ONGs
-como a consideração feita a Israel como Estado racista. "Isso é
lamentável", afirmou. O Brasil é
contra a citação a Israel ou a qualquer outro Estado como culpado
por crimes de racismo.
"Esta é, para mim, a conferência
do medo", afirma Pinheiro, 57,
que é coordenador do NEV (Núcleo de Estudos da Violência) da
USP. O cientista político veio a
Durban como membro da subcomissão de Promoção e Proteção
dos Direitos Humanos, órgão da
ONU em Genebra no qual atua
como especialista.
"Agora são as assim chamadas
democracias ocidentais que puxam o retrocesso. Estão preocupadas em ter de pagar indenizações", argumenta.
A seguir, trechos da entrevista.
Folha - O que o sr. achou da saída
dos Estados Unidos e de Israel do
encontro de Durban?
Paulo Sérgio Pinheiro - É a consequência da atuação negativista e
isolacionista dos Estados Unidos
e de Israel. Todo o clima da conferência, com ameaças de boicote,
já deixava entrever isso. Israel foi
se isolando cada vez mais -chega ao ponto de não participar dos
grupos regionais- e a saída para
eles foi deixar Durban. Eles não
querem assumir nenhum debate
sobre a situação do povo palestino, que é hoje um problema que
concerne ao mundo todo.
Folha - Qual a sua análise da conferência até agora?
Pinheiro - Vejo esta conferência
como um encontro marcado pelo
medo dos grandes países de assumir suas responsabilidades. Os
europeus não querem falar de
imigrantes, os Estados Unidos
não querem falar de reparações
nem de Israel, tanto que estão
saindo. O Reino Unido não quer
falar da questão dos povos indígenas, porque tem medo de garantir
o direito de autodeterminação
dos povos. Eu me sinto como nos
tempos da Cortina de Ferro, mas
com os sinais trocados. Agora são
as assim chamadas democracias
ocidentais que puxam o retrocesso. Estão preocupadas em ter de
pagar indenizações a esses grupos, então assumem esse discurso
do retrocesso.
Folha - Quem está, na sua avaliação, em posição avançada?
Pinheiro - Cito a Guatemala, que
está defendendo a inclusão da discussão sobre castas na Índia na
agenda da conferência. Veja a coragem da Guatemala. A Suíça havia feito essa proposta e retirou. O
que eu acho patético é a ausência
das grandes democracias latino-americanas do debate. Lutamos
tanto contra o silêncio latino-americano que não podemos
aceitar o alinhamento da América
Latina com as posições dos EUA.
Vários países latino-americanos
receberam apelos do Departamento de Estado dos EUA para
que dessem apoio às posições deles aqui. Com isso, o vazio do discurso latino-americano acaba
sendo ocupado por Fidel Castro,
que na ausência de outros chefes
de Estado, fez um discurso moderno contra os efeitos da globalização. Os países latino-americanos teriam de fazer uma condenação formal ao terrorismo contra
os palestinos e pedir que Israel
respeite as determinações da
ONU sobre o povo palestino.
Folha - Como o sr. analisa o papel
do Brasil?
Pinheiro - Acho até que o Brasil
fez o seu dever de casa, preparou-se para a conferência e tem assumido algumas posições interessantes, como o reconhecimento
da discriminação por orientação
sexual. Embora tenha um padrão
alto de violação dos direitos humanos, tem uma postura ativa
nessa conferência. É importante,
por exemplo, termos uma relatora brasileira, uma pessoa da sociedade civil.
Folha - O que o sr. acha da demanda por reparações?
Pinheiro - Defendo as reparações. Veja que a União Européia
não quer reconhecer nada nessa
área para os países africanos, é um
absurdo. Mas acho que fazer reparação não é dar cheque, é tecnologia, é desenvolvimento, é garantir políticas públicas. De qualquer modo, acho que o fato de essa conferência ter se realizado já é
um fato histórico, pois estamos
aqui a discutir problemas contemporâneos. Acho que os efeitos
de Durban virão aos poucos. Isso
é o que eu considero mais importante, é a agenda pós-Durban, o
comprometimento do governo e
o acompanhamento da sociedade
civil sobre tudo o que ficar definido aqui.
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