São Paulo, domingo, 04 de setembro de 2011

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Paquistão financia atividades do Taleban

Ex-comandantes do grupo confirmam acusação à Folha; remuneração inclui bônus para ataques espetaculares

Governo afegão não cumpre promessa de recompensar com emprego os talebans que se entregarem


DO ENVIADO AO AFEGANISTÃO

Membros do serviço secreto do Paquistão são os principais financiadores de atividades do Taleban no Afeganistão, pagando salários e bônus de quase R$ 1.300 para os comandantes locais em caso de ataques espetaculares bem-sucedidos.
A acusação é corrente entre políticos e analistas ocidentais e afegãos, e sempre negada de maneira não muito enfática em Islamabad. Mas a Folha a ouviu na fonte, entrevistando dois comandantes talebans que se entregaram no leste do Afeganistão no fim de julho.
"Recebi US$ 800 (R$ 1.280) após destruirmos quatro caminhões-tanque que levavam combustível para os americanos. O pagamento meu superior, o mulá Hazrat, pegou com o ISI em Peshawar", disse Ali Shawali, 40.
ISI é a sigla do principal serviço secreto paquistanês, e Peshawar é a principal cidade das áreas tribais do país vizinho.
Shawali e Yari Mohammad, 35, entregaram-se às forças do governo em Saroubi, vila estratégica que fica entre Cabul e Jalalabad, maior cidade do leste afegão. O local ganhou notoriedade em 2001, quando quatro jornalistas que viajavam para escrever sobre a queda do Taleban do poder foram mortos lá.
"Eu me uni ao Taleban há três anos porque era contra os americanos, e eles pagam bem. Mas, quando meu superior nos mandou destruir um hospital, achei que havia algo de errado", conta Mohammad, que tem os olhos azuis típicos de sua etnia, a pashai, da região de Langham.

REMUNERAÇÃO
De fato, o salário do Taleban é tentador para os padrões locais. Enquanto um governador de província ganha US$ 130 (R$ 208) mensais, cada insurgente leva US$ 320 (R$ 512).
"Era um agente que dava ao meu chefe, mas não sei se essa pessoa tinha ordens de Islamabad", conta, reforçando a visão de que o ISI não é monolítico, dificultando o indiciamento puro e simples de sua liderança, como fazem analistas ocidentais.
Mohammad entregou-se em Usbin com 23 de seus soldados ao chefe da shura (conselho) dos pashais, xeque Shahzad.
Cada um recebeu 9.000 afeganis (R$ 306) e eles estão hospedados em duas construções rudimentares de alvenaria em Saroubi, impregnadas de cheiro nauseante de lixo, mas com vista para um lago formado pelo rio Cabul.
O comandante Shawali, por sua vez, depôs armas com oito subordinados da sua tribo pashtun da região de Lakhman. "Há uns dois meses, o Exército paquistanês atacou posições nossas, aí desistimos."
Shawali não desconsidera tentar voltar ao Taleban ou a seu antigo grupo, o Hizb-i-Islami do "senhor da guerra" Gulbuddin Hekmatiar.
"Olhe à sua volta. Até a semana passada nem luz a gente tinha na casa. Isso aqui não é vida, o que essa gente vai fazer?", disse, apontando para alguns dos seus comandados no quarto.
Até aqui, o governo local não conseguiu cumprir sua promessa a esses ex-talebans de entregar um lote de terra, pagar compensação pelos fuzis entregues e arrumar um emprego que lhes pague US$ 220 (R$ 352) mensais.
"A segunda parcela de ajuda aos combatentes nós estamos pagando do nosso bolso, mas emprego? Não há emprego nem para as 22 mil pessoas que moram nessa cidade direito", resume o governador do distrito de Saroubi, Azrat Mohammad Hakim, 60.
Saroubi é o único dos 14 distritos da província de Cabul que não teve a segurança passada para mãos afegãs -franceses dão as ordens lá. "Somos uma das portas para chegar a Cabul", diz Hakim.
Shawali tem duas filhas, e Mohammad, uma tropa de dez crianças e duas mulheres. "Eles não estão seguros nas cidades, temos que trazê-los para cá", dizem.
"Posso tentar virar agricultor, mas a verdade é que desde os dez anos eu só sei mesmo é usar um [fuzil] Kalashnikov", diz Shawali. "Agora nem isso tenho." (IGOR GIELOW)



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