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São Paulo, quinta-feira, 04 de dezembro de 2003

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ÁFRICA

Tribunal da ONU sentencia três réus por incitar o ódio que levou à tentativa de extermínio étnico em Ruanda, em 1994

Jornalistas são condenados por genocídio

Sukhdev Chattbar/Associated Press
Ruandês arruma ossadas de tutsis massacrados


DA REDAÇÃO

Dois jornalistas que também são empresários da mídia foram condenados ontem por um tribunal das Nações Unidas à prisão perpétua, e um terceiro à pena de 35 anos, por incitamento ao ódio étnico que, em 1994, levou ao genocídio de 500 mil a 800 mil pessoas em Ruanda, país africano.
A condenação é inédita na recente história do direito penal internacional. A sentença aponta pela primeira vez a responsabilidade da mídia num genocídio.
A propaganda belicosa e o ódio étnico haviam sido considerados crimes pelo Tribunal de Nuremberg (1945-1949), que julgou ex-dirigentes nazistas após o término da Segunda Guerra Mundial.
O julgamento de Ruanda demorou três anos e demonstrou como os radicais da maioria étnica dos hutus lançaram-se por quase três meses ao extermínio de ruandeses da etnia tutsi.
"Os três réus foram considerados culpados de genocídio, incitação ao genocídio e crimes contra a humanidade", disse Bocar Sy, porta-voz do Tribunal Penal Internacional para Ruanda, instalado na cidade de Arusha, na Tanzânia, um dos países vizinhos.
Os condenados à prisão perpétua são Ferdinand Nahimana, 53, um dos fundadores e proprietários da RTLM (Rádio e Televisão Livre de Mil Colinas), e Hassan Ngeze, proprietário e editor do jornal extremista hutu "Kangura". A prisão perpétua é a pena máxima aplicada por aquela corte vinculada à ONU.
"Nahimana optou pelo genocídio e traiu a confiança depositada nele como intelectual e dirigente comunitário", disse o juiz Navanethen Pillay em sua sentença. "Ele causou a morte de milhares de civis desarmados."
O terceiro réu, Jean-Bosco Barayagwiza, 53, também co-proprietário da RTLM, foi diretor de relações públicas da Chancelaria de Ruanda. Ele foi condenado a 35 anos de prisão.
Ao condenar jornalistas, o tribunal negou prejudicar a liberdade de expressão. "É delicado separar a discussão da consciência ética da promoção do ódio étnico", diz a certa altura a sentença.
Nahimana foi o personagem central entre os extremistas hutus e co-fundador de um partido, o CDR, que pregava a limpeza étnica. Por seu radicalismo ele fora demitido da rádio Ruanda.
A criação da RTLM foi estimulada e em parte financiada pelo proprietário do jornal "Kangura", Ngeze, o outro condenado à prisão perpétua.
"As transmissões da RTLM eram toques marciais de tambores que incitavam os ouvintes a exterminar os tutsis", disse o juiz Pillay. "A RTLM derramou aos poucos combustível inflamável por todo o país, de modo a prepará-lo para um grande incêndio."
A RTLM foi fundada em abril de 1993 e passou a ser designada por alguns como "a rádio do ódio". Seus jornalistas exortavam abertamente os hutus a massacrar os tutsis. Segundo transcrições de programas de abril de 1994, a rádio usava expressões como "faça a limpeza", ou "as sepulturas ainda não estão cheias".
Um ex-repórter da RTLM, Georges Ruggiu, foi condenado em 2000 a 12 anos por um tribunal local, depois de admitir ter estimulado o genocídio. Ele testemunhou contra seus ex-patrões.
Ruggiu disse que a emissora recebia informações de milicianos hutus sobre operações que pretendiam desencadear e emitia boletins radiofônicos que ajudavam a localizar e capturar as vítimas.
Em Kigali, capital de Ruanda, o procurador-geral Gérard Gahima saudou o veredicto do tribunal internacional. "É muito importante, porque demonstra que a responsabilidade pelo genocídio não se limitou aos que pegaram em armas para cometê-lo."

Com agências internacionais


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