São Paulo, terça-feira, 04 de dezembro de 2007

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Kremlin fomenta "juventude putinista"

Com iconografia pop, hierarquia rígida e histórico de agressões, Movimento Nashi prega nacionalismo e idolatra Putin

Grupo, que tem ecos da Hitlerjugend, celebra vitória do partido do presidente nas eleições legislativas com "show" na praça Vermelha

IGOR GIELOW
ENVIADO ESPECIAL A MOSCOU

"O que você está fazendo aqui? Por que está tirando fotos? Brasileiro? Não queremos estrangeiros aqui." Não houve tempo de mostrar a identificação de jornalista, e talvez tenha sido melhor assim, já que se tratava do comício da vitória parlamentar de Vladimir Putin por seus mais fiéis seguidores -o movimento jovem Nashi.
"Os Nossos", em russo, reuniram uma pequena multidão ontem ao pé do Kremlin, na descida da catedral de São Basílio, símbolo seminal da Rússia. Foram 10 mil, segundo os organizadores, mas uma avaliação mais precisa ronda os 5.000. Não há estimativa oficial.
Havia cerca de 500 militares guardando as ruas em volta do "ato da vitória". O Nashi já recebeu da imprensa oposicionista o gentil apelido de Putinjugend, em alusão à Hitlerjugend, a Juventude Hitlerista, e o histórico de agressões atribuídas ao grupo em seus dois anos de existência é grande.
O ato é um show, literalmente. Ao lado de dois cartazes, um com o rosto estilizado do presidente russo, outro com o símbolo do Nashi -uma versão da cruz de Santo André (um dos símbolos russos, em X), em vermelho e branco. No centro, um palco com um telão exibia vídeos de rap russo nacionalista.
"Rússia é nossa, Rússia somos nós." "Nosso país é dos russos." Esses foram alguns dos slogans que a reportagem ouviu antes de ser convidada a deixar o centro da comemoração por um dos "comissários" do Nashi.
A coisa é extremamente organizada: há a multidão com bandeiras, um grupo de cerca de 200 rapazes com jaquetas pesadas vermelhas e brancas organizando tudo e há os "comissários", que usam braçadeiras vermelhas. São os cérebros logísticos e ainda coordenam a distribuição de buttons e de uma espécie de capa vermelha ou branca com o rosto de Putin impresso atrás e palavras de ordem como "Nossa vitória".

Nacionalismo
"Estou aqui porque sou nacionalista. Não quero meu país sofrendo ameaças de fora. Aqui não é a Ucrânia", gritou Vitali, aparentes 20 anos, em mau inglês. Ele e cinco amigos vieram dos subúrbios ao sul de Moscou para o comício, e dois deles disseram estar entre os 100 mil membros oficiais do Nashi.
A referência ao país vizinho não é casual. O Nashi surgiu em abril de 2005 em reação à Revolução Laranja que colocou um governo pró-EUA no comando da Ucrânia em 2004, vista por aqui como o paradigma da intervenção estrangeira que Putin lembra a cada discurso -ontem não foi diferente.
Oficialmente, o Nashi é uma organização "democrática" e "antifascista". É criação de um dos ideólogos do Kremlin, Vladislav Surkov. Ele indicou um líder de movimento estudantil pró-Putin, Vassili Iakimenko, para chefiar o grupo. Dinheiro oficial, não se sabe quanto, alimenta a organização.
Iakimenko é um protegido do Kremlin e, ao modo que Baldur von Schirach foi foi alçado a chefe da Juventude Hitlerista, ganhou neste ano o posto de líder do Comitê da Juventude da Rússia -status de ministro.
O comício durou cerca de uma hora, sob o frio de -7C. "Vladimir Vladimirovitch Putin! Rússia, Rússia, Rússia", gritaram em uníssono os jovens, comemorando os 64% que o partido de Putin recebeu no pleito de domingo para a Duma, a Câmara Baixa.
Às 13h15, os jovens começaram a se espalhar pelo centro de Moscou e, como todos os outros de sua idade, foram buscar abrigo nas passagens subterrâneas e no McDonald's ao lado a praça Vermelha. Questionada se não seria, digamos, antinacionalista comer Big Mac, uma moça de 17 anos chamada Larissa disse, pragmática: "Eu sou membro do Nashi e sei que tem gente lá que não gosta disso, mas não vejo tanto problema".
Outro grupo, no Café Fontana, na praça Vermelha, ouvia uma banda ao estilo dixieland composta de papais-noéis azuis. "Isso é ridículo", disse um rapaz alto, tomando um capuccino a US$ 7, indicando que a composição do Nashi não se limita aos subúrbios pobres.
Além dos skinheads, alvo fascista inicial, o Nashi elegeu como inimigo o Partido Nacional Bolchevique, que está proscrito mas faz parte da frente Outra Rússia, de Garry Gasparov. Seu líder, Eduard Limonov, foi atacado no ano passado.
Ontem, um grupo de jovens enrolado com as capas de Putin tomou a frente do escritório de Kasparov, não longe do Kremlin. Policiais da força de choque Omon estiveram presentes, mas não houve incidentes.
A iconografia e os títulos dentro da organização lembram tempos soviéticos. A jovem guarda do putinismo pode não perceber, mas seu DNA está no próprio website da entidade: www.nashi.su. "SU" é o domínio de internet residual da União Soviética.


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