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ORIENTE MÉDIO
Dirigente diz à Folha que só um Estado palestino encerrará o levante, alvo de questionamento até em seu governo
Arafat ignora críticas e mantém Intifada
Murad Sezer - 31.dez.2002/Associated Press
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Iasser Arafat, presidente da Autoridade Nacional Palestina, faz discurso em Ramallah (Cisjordânia) |
PAULO DANIEL FARAH
ENVIADO ESPECIAL A RAMALLAH
O líder palestino Iasser Arafat
afirma que, apesar das críticas
que vem recebendo de algumas
autoridades ligadas a seu governo, além de Israel e dos Estados
Unidos, a Intifada (levante contra
a ocupação israelense) não vai ser
interrompida até a fundação de
um Estado palestino.
"A Intifada vai continuar até a
aceitação de nosso Estado palestino independente com Jerusalém
como capital. Estamos defendendo os lugares sagrados cristãos e
muçulmanos e vamos prosseguir
nossa caminhada para alcançar
nossos objetivos contra a ocupação", disse Arafat, 73, com os lábios tremendo bastante e agitando as mãos, em seu escritório em
Ramallah, na Cisjordânia. O prédio onde ele fica atualmente é o
único que restou na área que abrigava a sede da liderança palestina.
Sobre a eventual retomada do
processo de paz com os israelenses, Arafat afirmou: "Apenas lamento que os americanos estejam
totalmente ocupados preparando
uma guerra contra o Iraque e não
tenham tempo para mais nada".
Ao menos 1.760 palestinos e 675
israelenses foram mortos desde o
início da atual Intifada, em 28 de
setembro de 2000.
O presidente da Autoridade Nacional Palestina disse estar pronto
para negociar com quem vencer
as eleições israelenses, no próximo dia 28. A respeito das eleições
palestinas, programadas inicialmente para 15 de janeiro, afirmou: "O Conselho Eleitoral disse
que ainda não era a hora e que
não havia condições de promover
eleições nas cidades reocupadas".
A seguir, trechos da entrevista
que Arafat concedeu à Folha.
Folha - Qual sua avaliação da Intifada? Alguns analistas afirmam
que ela fracassou e que só piorou a
situação dos palestinos...
Iasser Arafat - Ainda estamos lutando por um Estado palestino
independente e pela paz dos bravos, mas realmente há muitas dificuldades. Quando eu ia a Belém,
a cidade de Jesus Cristo, costumava pedir por um Estado soberano
com Jerusalém como capital. Era
muito difícil até para mim entrar
na igreja da Natividade, tamanha
a multidão. Agora, pela segunda
vez, impediram-me de participar
da missa de Natal. E havia pouca
gente devido ao cerco e ao toque
de recolher. Além disso, o que estamos enfrentando em Al Khalil
[nome árabe de Hebron, na Cisjordânia", as novas ocupações, a
judaização de Jerusalém Oriental... Durante o Ramadã [mês sagrado islâmico", impediram muitos muçulmanos de rezar nos lugares sagrados. Tivemos ainda Jeningrado [Jenin, cidade na Cisjordânia" e Rafahgrado [Rafah, em
Gaza", mas a ONU prefere fazer
um relatório sobre o que acontece
na Palestina sem nem visitar a cidade sobre a qual produz suas
avaliações. Por fim, esse muro
que está sendo construído para
forçar a fronteira que Israel deseja, que é pior que o Muro de Berlim, faz-nos perder aldeias inteiras com o único intuito de permitir a ampliação do território israelense e de seus assentamentos.
Folha - Nesse sentido, a Intifada
não tem sido contraproducente?
Arafat - O Banco Mundial estima nossas perdas devido aos danos causados contra a infra-estrutura palestina, com a destruição
de casas, hotéis, hospitais e prédios públicos, em mais de US$ 20
bilhões. E eles ainda continuam a
destruir nossas escolas. Com que
finalidade? Veja essas flores [Arafat aponta para um vaso em cima
da mesa, em seu escritório", elas
foram enviadas de Gaza porque
os palestinos não podem exportá-las. Israel proibiu a exportação de
nossos produtos. As oliveiras, que
na Palestina chamamos de árvores romanas, porque são muito
antigas, vêm sendo destruídas sistematicamente. De fato, 55% das
oliveiras foram arrancadas.
Quantos milhares de famílias dependem dessas oliveiras?
Folha - Alguns palestinos, incluindo autoridades ligadas a seu
governo, vêm sugerindo que talvez
seja hora de adotar outra estratégia para permitir a retomada do
processo de paz...
Arafat - Precisamos realmente é
de uma intervenção internacional, de uma presença internacional permanente. Por que há forças
da ONU no sul do Líbano e no Sinai, mas não aqui? Por que não?
No caso de uma guerra contra o
Iraque, vão aproveitar a oportunidade para ampliar sua agressão
contra nós. Quando o Taleban
destruiu as estátuas de Buda no
Afeganistão, o que aconteceu?
Houve protestos do mundo inteiro. Eu tenho o direito de perguntar como isso pôde ser feito contra
nossa santa. Esta estátua levou 11
tiros [ele mostra uma foto de uma
estátua de Maria com marcas de
bala", em Belém, na cidade onde
Cristo nasceu, e ninguém disse
nada. Isso não é apenas contra os
cristãos, mas contra esta mulher
santa mencionada em nosso Alcorão, que tem um capítulo inteiro em sua homenagem. Ninguém
disse nada sobre isso. Eles falam
sobre as armas proibidas usadas
pelo Iraque, e eu digo que eles estão usando armas proibidas contra nós [Israel nega a acusação".
A Intifada surgiu como um movimento popular contra a ocupação israelense e a ampliação constante dos assentamentos judaicos,
um movimento inflamado pela
provocação de Sharon [Ariel Sharon, atual premiê" ao entrar em
nosso templo sagrado em Jerusalém com soldados.
A Intifada vai continuar até a
aceitação de nosso Estado palestino independente com Jerusalém
como capital. Estamos defendendo os lugares sagrados cristãos e
muçulmanos e vamos prosseguir
nossa caminhada para alcançar
nossos objetivos contra a ocupação. Isso de forma pacífica. Quando eu saí do Líbano, perguntaram-me "Para onde você vai, Abu
Ammar [como Arafat é conhecido entre os palestinos"?" Respondi: "Para a Palestina". Agora, digo: "Para Jerusalém". Se Deus
quiser, nossas crianças vão voltar
a passear em Jerusalém.
Folha - Como estão as negociações entre o Fatah, seu grupo político, e movimentos extremistas como o Hamas para pôr fim aos atentados contra israelenses? A reunião
no Cairo, iniciada no final de dezembro, entre esses grupos, produziu resultados?
Arafat - A reunião no Cairo foi
extremamente importante, mas é
fundamental dizer que eu já pedi
o fim das ações suicidas diversas
vezes, em árabe e inglês. E, quando eles interromperam as ações,
novas matanças de palestinos
promovidas por Israel e mais provocações reiniciaram a violência.
Folha - As eleições israelenses estão se aproximando, vão acontecer
em 28 de janeiro. O sr. acredita que
seria mais fácil negociar com algum dos candidatos?
Arafat - Estou disposto a negociar com Sharon [que busca a reeleição" ou com quem quer que seja. Negociei com ele e com Netanyahu [Binyamin Netanyahu, ex-premiê" em Wye [Estados Unidos". E também com Rabin [Yitzhak Rabin", com Shimon Peres e
com Barak [Ehud Barak, premiê
que antecedeu Ariel Sharon". Nós
não estamos interferindo na campanha eleitoral dos israelenses.
Ao contrário deles, negociamos
com quem for eleito. Aceitamos
negociar com qualquer um que
seja eleito pelos israelenses, não
determinamos com quem devemos negociar.
Folha - E, se Amram Mitzna, líder
trabalhista, for eleito, o sr. espera
mudanças na política israelense?
Arafat - Barak destruiu o Partido
Trabalhista. Não havia nenhuma
razão para ele aceitar a antecipação de eleições. Ele deveria ser até
hoje o primeiro-ministro, mas
houve uma grande conspiração
entre ele e Sharon, que aumenta
sua popularidade à custa da morte de palestinos.
Folha - Após o governo israelense
de Binyamin Netanyahu (1996-99),
muitas pessoas na região receberam Ehud Barak com a esperança
de que o processo de paz fosse reativado. E Barak afirma ter apresentado uma proposta generosa para
os palestinos em Camp David, nos
Estados Unidos, em julho de 2000.
Por que não foi firmado um novo
acordo para pôr fim ao conflito israelo-palestino?
Arafat - Barak queria resolver
tudo em cem dias para entrar para a história como um grande líder. Por que nunca disse ao mundo realmente o que nos ofereceu?
Que Estado no mundo não tem
controle sobre a água e sobre as
estradas? Nem soberania aérea?
Os assentamentos, e não há nada
mais destrutivo para o processo
de paz, multiplicaram-se tremendamente em seu governo. Por que
nenhum governo israelense aceitou acabar com eles, esse mal que
impede qualquer acordo? Além
disso, Barak rejeitou o retorno
dos refugiados e queria controlar
locais sagrados para cristãos e
muçulmanos. Na realidade, o cronograma de retiradas militares estabelecido nos acordos de Oslo
[1993" não foi cumprido.
Folha - Em que medida as relações pessoais com líderes israelenses, sobretudo entre o sr. e Sharon,
influenciam as negociações de
paz? Elas prejudicam as negociações de alguma forma?
Arafat - Estamos totalmente
comprometidos com o que firmamos com nosso parceiro Rabin,
com a paz dos bravos. Rabin pagou com sua vida por causa desses grupos extremistas de Israel.
Até agora, estamos totalmente
comprometidos com a paz dos
bravos. Na cúpula em Beirute, os
países árabes adotaram a iniciativa de paz saudita, do rei Abdullah.
Apesar disso, Sharon simplesmente reocupou a Cisjordânia e
dividiu Gaza em quatro partes,
quatro "bantustões". O que estamos enfrentando é humilhação e
mais humilhação. Nas barreiras
militares, proíbem muitas de nossas mulheres de chegar até o hospital para dar à luz. Muitas delas
tiveram de dar à luz diante dos
soldados e dos outros passageiros
que aguardam nas barreiras. Algumas morrem. Mesmo na África
do Sul... Os visitantes da África do
Sul dizem que o que acontece na
Palestina é totalmente diferente
do que havia na África do Sul contra os negros. A situação, sem dúvida, é pior. Entre outros, foi um
ministro sul-africano quem disse
isso. Visitei boa parte da África e
fiquei bem a par de seus problemas. O que há aqui é pior. No caso
de Sharon, ele tem medo do tribunal na Bélgica que o acusa de violações dos direitos humanos e crimes de guerra. Ele também não se
esquece de sua derrota, em 1982,
em Beirute [capital do Líbano",
quando queria me matar.
Folha - E as eleições palestinas,
por que foram adiadas?
Arafat - Elas iam acontecer ainda em janeiro, mas o Conselho
Eleitoral Palestino disse que ainda
não era a hora e que não havia
condições de promover eleições
nas cidades reocupadas. Queríamos realizar as eleições em 15 de
janeiro, mas isso não será possível, segundo o Conselho Eleitoral.
É nosso direito realizar eleições
presidenciais, legislativas, embora
saibamos que há muita gente que
não quer isso para nos criticar.
Folha - Quem quer evitar as eleições palestinas?
Arafat - Há grupos que querem
impedir as eleições, mas elas são
nosso direito como muçulmanos,
cristãos e árabes. Isso é o que importa.
Folha - O plano de paz que vem
sendo discutido com a participação
da União Européia, dos EUA, da
Rússia e da ONU pode ajudar a reduzir a violência que atinge palestinos e israelenses?
Arafat - Sem dúvida. O plano, na
realidade, já está pronto. Apenas
lamento que os americanos estejam totalmente ocupados preparando uma guerra contra o Iraque
e não tenham tempo para mais
nada. Durante a guerra contra o
Iraque, vai haver mais crimes e
mais violência contra nós.
Folha - Israel afirma que um acordo com o sr. na liderança é impossível. O sr. teme a deportação de líderes políticos palestinos, incluindo o sr. próprio?
Arafat - Sim, os israelenses já declararam isso oficialmente. O próprio Sharon disse isso em público.
Temo também a deportação maciça dos palestinos de nosso próprio território, o que Israel costuma chamar de "transferência" de
população. Esperamos uma presença de voluntários internacionais para evitar essa operação e
esperamos também que eles não
sejam expulsos como aconteceu
com ao menos 12 estrangeiros
que queriam participar do Fórum
Temático Palestina [iniciativa do
Fórum Social Mundial". Não me
esqueço de minha visita ao Brasil,
da acolhida que recebi nesse país,
e eu espero brasileiros aqui também defendendo os direitos humanos. Nesta Intifada, já temos
dezenas de milhares de feridos.
Cerca de 30% deles se tornaram
deficientes físicos, e quase a metade deles é jovem, grande parte
com menos de 16 anos.
Não nos esqueçamos de que a
Palestina é um país pequeno territorialmente, mas, ao mesmo tempo, somos um país grandioso moralmente, que não dispensa
apoios. O apoio da Europa é fundamental nesse sentido. E dos
EUA ainda esperamos uma mediação equilibrada. Ao menos, esperamos que eles pressionem
com firmeza alguma ação da
ONU e, o mais rápido possível,
uma intervenção internacional.
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