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CAPITALISMO VERMELHO
Renda na zona rural é três vezes inferior à da cidade
China quer camponeses
no mercado consumidor
BRICE PEDROLETTI
DO "LE MONDE", EM XANGAI
Os habitantes da zona rural chinesa, grandes excluídos do boom
econômico verificado nos últimos
anos no país, deverão beneficiar-se de um novo projeto de desenvolvimento que promete implantar um sistema de seguridade social para os camponeses, facilitar
o acesso deles à educação, reduzir
os impostos, investir em projetos
de infra-estrutura e rever os procedimentos para a aquisição de
terras.
Se a "construção da nova zona
rural socialista" ocupa posição
central nas discussões preparatórias para o Congresso Nacional do
Povo, que começa hoje, é porque
se tornaram urgentes as questões
socioeconômicas envolvidas no
lançamento de uma "nova base"
em favor dessa espécie de Terceiro Mundo interno.
Cavalo de batalha do presidente
Hu Jintao e do primeiro-ministro
Wen Jiabao, a revitalização da
imensa zona rural pode trazer soluções para os desequilíbrios do
crescimento chinês: o excedente
cada vez maior de capacidade industrial, a fraqueza da demanda
interna e o inchamento dos excedentes comerciais seriam "aliviados", dessa maneira, pelo aumento do poder de compra da população rural.
Enquanto sua economia cresce
em ritmo superior a 9,5% ao ano,
a China gastou, em apoio à zona
rural, apenas 300 bilhões de yuans
( 31,3 bilhões) em 2005, ou seja,
1,6% de seu Produto Interno Bruto (PIB).
O imposto agrícola foi suspenso
desde janeiro deste ano, mas os
camponeses vivem esmagados
pelo peso de outros tributos de toda espécie. Andy Xie, economista
do banco Morgan Stanley, sugere
que o apoio dado aos agricultores
seja aumentado para 3% do PIB e
que o salário mínimo seja triplicado até 2010.
Tensão
A insatisfação da população rural com sua vida, a consciência de
uma injustiça profunda na distribuição dos frutos resultantes do
milagre econômico e da negação
dos direitos da qual são vítimas as
pessoas que tentam obter justiça,
todos esses fatores vêm aumentar
os germes de uma crise sistêmica
que se torna maior pelo fato de a
economia chinesa hoje estar globalizada.
"O agravamento das tensões internas provocadas pelas desigualdades e os atritos externos gerados pelo sucesso comercial chinês
sugerem que o modelo de desenvolvimento baseado nos investimentos e nas exportações talvez
tenha atingido seu limite", analisa
Xie. "É do interesse da China modificar esse modelo antes de as
tensões chegarem ao ponto de desencadear uma crise econômica
no país."
Em 2005, o consumo interno representou apenas 39% do PIB,
contra 46% em 1995. E o nível de
alerta já foi atingido em termos
das disparidades sociais: de acordo com Chen Xiwen, o representante governamental que, em 21
de fevereiro, apresentou as linhas
gerais do novo projeto, a renda
anual líquida média dos camponeses chineses (2.355 yuans, em
2005) é três vezes inferior à dos
habitantes das cidades.
Os 750 milhões de camponeses
chineses -ou seja, aproximadamente 58% da população- foram responsáveis por apenas
"32,9% das vendas de bens de
consumo no varejo".
Abrandados pela massa demográfica chinesa, esses valores médios ocultam diferenças muito
maiores entre Xangai e Pequim,
cidades onde a paridade do poder
de compra se aproxima da de um
país rico, e as regiões mais pobres
da China, como Guizhou ou
Ningxia, onde o poder de compra
se assemelha ao dos habitantes da
Namíbia, pobre país da África
meridional.
Desigualdade acentuada
Paradoxalmente, é nas Províncias mais prósperas, como
Guangdong e Zhejiang, que a desigualdade entre o campo e as cidades se evidencia mais nitidamente: a urbanização e a industrialização galopantes devoram as
terras agrícolas, arrancadas dos
camponeses por valores miseráveis. "As aquisições forçadas de
terras aráveis privaram muitos
camponeses de sua única fonte de
renda", lê-se na revista econômica "Caijing".
A indigência dos camponeses
chineses tem outras causas também: não existe Previdência Social nem aposentadoria no campo, e, desde que foi implantada a
política do filho único, em 1979,
os agricultores dificilmente podem contar com seus filhos para
sustentá-los na velhice.
No momento em que as primeiras gerações de filhos únicos chegam ao mercado de trabalho, essa
precariedade torna ainda mais insuportável a iniqüidade das condições de trabalho nas fábricas
nas quais trabalham cerca de 150
milhões de "mingong", ou "camponeses operários".
O que se vê é uma volatilidade
crescente da mão-de-obra nas
Províncias exportadoras, como
Guangdong: privados de direitos
ou meios de negociação, os "mingong votam com os pés", ou seja,
trocam em massa de patrões, fragilizando o desempenho da grande oficina do mundo.
Tradução de Clara Allain
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