São Paulo, domingo, 05 de março de 2006

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CAPITALISMO VERMELHO

Renda na zona rural é três vezes inferior à da cidade

China quer camponeses no mercado consumidor

BRICE PEDROLETTI
DO "LE MONDE", EM XANGAI

Os habitantes da zona rural chinesa, grandes excluídos do boom econômico verificado nos últimos anos no país, deverão beneficiar-se de um novo projeto de desenvolvimento que promete implantar um sistema de seguridade social para os camponeses, facilitar o acesso deles à educação, reduzir os impostos, investir em projetos de infra-estrutura e rever os procedimentos para a aquisição de terras.
Se a "construção da nova zona rural socialista" ocupa posição central nas discussões preparatórias para o Congresso Nacional do Povo, que começa hoje, é porque se tornaram urgentes as questões socioeconômicas envolvidas no lançamento de uma "nova base" em favor dessa espécie de Terceiro Mundo interno.
Cavalo de batalha do presidente Hu Jintao e do primeiro-ministro Wen Jiabao, a revitalização da imensa zona rural pode trazer soluções para os desequilíbrios do crescimento chinês: o excedente cada vez maior de capacidade industrial, a fraqueza da demanda interna e o inchamento dos excedentes comerciais seriam "aliviados", dessa maneira, pelo aumento do poder de compra da população rural.
Enquanto sua economia cresce em ritmo superior a 9,5% ao ano, a China gastou, em apoio à zona rural, apenas 300 bilhões de yuans ( 31,3 bilhões) em 2005, ou seja, 1,6% de seu Produto Interno Bruto (PIB).
O imposto agrícola foi suspenso desde janeiro deste ano, mas os camponeses vivem esmagados pelo peso de outros tributos de toda espécie. Andy Xie, economista do banco Morgan Stanley, sugere que o apoio dado aos agricultores seja aumentado para 3% do PIB e que o salário mínimo seja triplicado até 2010.

Tensão
A insatisfação da população rural com sua vida, a consciência de uma injustiça profunda na distribuição dos frutos resultantes do milagre econômico e da negação dos direitos da qual são vítimas as pessoas que tentam obter justiça, todos esses fatores vêm aumentar os germes de uma crise sistêmica que se torna maior pelo fato de a economia chinesa hoje estar globalizada.
"O agravamento das tensões internas provocadas pelas desigualdades e os atritos externos gerados pelo sucesso comercial chinês sugerem que o modelo de desenvolvimento baseado nos investimentos e nas exportações talvez tenha atingido seu limite", analisa Xie. "É do interesse da China modificar esse modelo antes de as tensões chegarem ao ponto de desencadear uma crise econômica no país."
Em 2005, o consumo interno representou apenas 39% do PIB, contra 46% em 1995. E o nível de alerta já foi atingido em termos das disparidades sociais: de acordo com Chen Xiwen, o representante governamental que, em 21 de fevereiro, apresentou as linhas gerais do novo projeto, a renda anual líquida média dos camponeses chineses (2.355 yuans, em 2005) é três vezes inferior à dos habitantes das cidades.
Os 750 milhões de camponeses chineses -ou seja, aproximadamente 58% da população- foram responsáveis por apenas "32,9% das vendas de bens de consumo no varejo".
Abrandados pela massa demográfica chinesa, esses valores médios ocultam diferenças muito maiores entre Xangai e Pequim, cidades onde a paridade do poder de compra se aproxima da de um país rico, e as regiões mais pobres da China, como Guizhou ou Ningxia, onde o poder de compra se assemelha ao dos habitantes da Namíbia, pobre país da África meridional.

Desigualdade acentuada
Paradoxalmente, é nas Províncias mais prósperas, como Guangdong e Zhejiang, que a desigualdade entre o campo e as cidades se evidencia mais nitidamente: a urbanização e a industrialização galopantes devoram as terras agrícolas, arrancadas dos camponeses por valores miseráveis. "As aquisições forçadas de terras aráveis privaram muitos camponeses de sua única fonte de renda", lê-se na revista econômica "Caijing".
A indigência dos camponeses chineses tem outras causas também: não existe Previdência Social nem aposentadoria no campo, e, desde que foi implantada a política do filho único, em 1979, os agricultores dificilmente podem contar com seus filhos para sustentá-los na velhice.
No momento em que as primeiras gerações de filhos únicos chegam ao mercado de trabalho, essa precariedade torna ainda mais insuportável a iniqüidade das condições de trabalho nas fábricas nas quais trabalham cerca de 150 milhões de "mingong", ou "camponeses operários".
O que se vê é uma volatilidade crescente da mão-de-obra nas Províncias exportadoras, como Guangdong: privados de direitos ou meios de negociação, os "mingong votam com os pés", ou seja, trocam em massa de patrões, fragilizando o desempenho da grande oficina do mundo.


Tradução de Clara Allain


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