UOL


São Paulo, sábado, 05 de abril de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

"TV dificulta conscientização nos EUA"

MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO

Temendo chocar seu público ou perder seus anunciantes, a mídia dos EUA evita exibir imagens de civis iraquianos mortos ou de militares americanos feridos ou capturados pelo inimigo, impedindo que o público consiga ter uma noção real do custo humano da guerra e de suas consequências.
A análise é de Paul Waldman, diretor do Centro Annenberg de Políticas Públicas da Universidade da Pensilvânia (EUA). Ele escreveu, ao lado de Kathleen Hall Jamieson, "The Press Effect: Politicians, Journalists and the Stories That Shape the Political World" (o efeito da imprensa: políticos, jornalistas e as histórias que dão forma ao mundo político).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
 

Folha - Como o sr. analisa a cobertura da guerra no Iraque feita pela mídia americana?
Paul Waldman -
Não existe apenas um tipo de cobertura, mas, no geral, os jornais estão melhores que as TVs. Obviamente, a mídia americana é mais favorável à posição de Washington que a estrangeira, contudo há casos extremos. A Fox News é totalmente pró-EUA. O modo como seus comentaristas falam da guerra e o número de bandeiras dos EUA exibidas por ela provam que sua cobertura é a mais parcial. A MSNBC também segue essa linha.
Já a CNN está no meio do caminho, tentando ser menos enviesada. Finalmente, as três grandes redes [CBS, NBC e ABC] são bem menos "ostensivamente patrióticas", realizando uma cobertura que, para os padrões americanos, poderia até ser considerada imparcial. Afinal, elas buscam expor os argumentos de ambos os lados envolvidos no conflito atual.
Todavia o ponto mais marcante da cobertura realizada pelas redes de TV americanas se refere à escolha das imagens exibidas. A maior parte das televisões européias e a rede árabe Al Jazeera mostram muitas imagens dos civis mortos e da destruição provocada nas cidades iraquianas pelos bombardeios americanos.
A mídia dos EUA, por outro lado, tem-se preocupado bastante com a possibilidade de chocar seu público ao exibir imagens da guerra no Iraque. Ademais, ela tem em mente seus anunciantes, que poderiam mudar de atitude se o conteúdo do que é mostrado fosse considerado chocante. Por isso também não vemos mais cenas de soldados americanos feridos ou capturados pelo inimigo.
Assim, o público americano não consegue ter uma noção real do custo humano da guerra e de suas consequências. A população acaba não podendo criar uma consciência crítica porque não vê as cenas mais graves do conflito.

Folha - E quanto aos repórteres que acompanham as tropas?
Waldman -
Há aspectos positivos e negativos na cobertura realizada por eles. Eles são testemunhas oculares do que ocorre no campo de batalha e tentam passar isso ao público, que aprende um pouco sobre o cotidiano dos militares. No entanto eles acabam fazendo matérias mais ligadas ao lado humano dos militares envolvidos na ofensiva e não oferecem uma visão geral da guerra.
Contudo, como convivem com os militares durante a dura travessia do deserto, eles são obrigatoriamente influenciados pela situação. Afinal, eles sabem que, se houver uma batalha, serão os soldados americanos que os defenderão das forças iraquianas.

Folha - O sr. crê que a mídia dos EUA seja direta ou indiretamente pressionada pelo governo?
Waldman -
O governo está contente com a cobertura, mas provavelmente não tenha precisado exercer pressão direta sobre as TVs ou os jornais. Desde a Guerra do Vietnã, os militares dos EUA sabem que imagens de civis sofrendo ou de soldados americanos mortos são terríveis. Assim, na Guerra do Golfo , por exemplo, eles não permitiram que todas as imagens chegassem ao público.
Na verdade, desde a década de 70, os militares buscam evitar que essas cenas cheguem às TVs americanas. Trata-se de uma prioridade das Forças Armadas dos EUA. Permitir que repórteres acompanhassem as tropas foi um risco, porém os militares pensavam que conseguiriam que "boas imagens" do campo de batalha fossem mostradas, como aquelas em que as forças da coalizão distribuíam ajuda humanitária a civis iraquianos, no sul do país.
Creio, portanto, que o governo dos EUA não tenha precisado fazer pressão sobre as redes de TV para que as imagens mais chocantes não fossem exibidas.


Texto Anterior: Para 91% nos EUA, guerra "vai bem"
Próximo Texto: Notas da guerra - Demissão: Coronel americano é afastado de comando
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.