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"TV dificulta conscientização nos EUA"
MÁRCIO SENNE DE MORAES
DA REDAÇÃO
Temendo chocar seu público ou
perder seus anunciantes, a mídia
dos EUA evita exibir imagens de
civis iraquianos mortos ou de militares americanos feridos ou capturados pelo inimigo, impedindo
que o público consiga ter uma noção real do custo humano da
guerra e de suas consequências.
A análise é de Paul Waldman,
diretor do Centro Annenberg de
Políticas Públicas da Universidade da Pensilvânia (EUA). Ele escreveu, ao lado de Kathleen Hall
Jamieson, "The Press Effect: Politicians, Journalists and the Stories
That Shape the Political World"
(o efeito da imprensa: políticos,
jornalistas e as histórias que dão
forma ao mundo político).
Leia a seguir trechos de sua entrevista, por telefone, à Folha.
Folha - Como o sr. analisa a cobertura da guerra no Iraque feita pela
mídia americana?
Paul Waldman - Não existe apenas um tipo de cobertura, mas, no
geral, os jornais estão melhores
que as TVs. Obviamente, a mídia
americana é mais favorável à posição de Washington que a estrangeira, contudo há casos extremos. A Fox News é totalmente
pró-EUA. O modo como seus comentaristas falam da guerra e o
número de bandeiras dos EUA
exibidas por ela provam que sua
cobertura é a mais parcial. A
MSNBC também segue essa linha.
Já a CNN está no meio do caminho, tentando ser menos enviesada. Finalmente, as três grandes redes [CBS, NBC e ABC] são bem
menos "ostensivamente patrióticas", realizando uma cobertura
que, para os padrões americanos,
poderia até ser considerada imparcial. Afinal, elas buscam expor
os argumentos de ambos os lados
envolvidos no conflito atual.
Todavia o ponto mais marcante
da cobertura realizada pelas redes
de TV americanas se refere à escolha das imagens exibidas. A maior
parte das televisões européias e a
rede árabe Al Jazeera mostram
muitas imagens dos civis mortos
e da destruição provocada nas cidades iraquianas pelos bombardeios americanos.
A mídia dos EUA, por outro lado, tem-se preocupado bastante
com a possibilidade de chocar seu
público ao exibir imagens da
guerra no Iraque. Ademais, ela
tem em mente seus anunciantes,
que poderiam mudar de atitude
se o conteúdo do que é mostrado
fosse considerado chocante. Por
isso também não vemos mais cenas de soldados americanos feridos ou capturados pelo inimigo.
Assim, o público americano não
consegue ter uma noção real do
custo humano da guerra e de suas
consequências. A população acaba não podendo criar uma consciência crítica porque não vê as
cenas mais graves do conflito.
Folha - E quanto aos repórteres
que acompanham as tropas?
Waldman - Há aspectos positivos e negativos na cobertura realizada por eles. Eles são testemunhas oculares do que ocorre no
campo de batalha e tentam passar
isso ao público, que aprende um
pouco sobre o cotidiano dos militares. No entanto eles acabam fazendo matérias mais ligadas ao lado humano dos militares envolvidos na ofensiva e não oferecem
uma visão geral da guerra.
Contudo, como convivem com
os militares durante a dura travessia do deserto, eles são obrigatoriamente influenciados pela situação. Afinal, eles sabem que, se
houver uma batalha, serão os soldados americanos que os defenderão das forças iraquianas.
Folha - O sr. crê que a mídia dos
EUA seja direta ou indiretamente
pressionada pelo governo?
Waldman - O governo está contente com a cobertura, mas provavelmente não tenha precisado
exercer pressão direta sobre as
TVs ou os jornais. Desde a Guerra
do Vietnã, os militares dos EUA
sabem que imagens de civis sofrendo ou de soldados americanos mortos são terríveis. Assim,
na Guerra do Golfo , por exemplo,
eles não permitiram que todas as
imagens chegassem ao público.
Na verdade, desde a década de
70, os militares buscam evitar que
essas cenas cheguem às TVs americanas. Trata-se de uma prioridade das Forças Armadas dos EUA.
Permitir que repórteres acompanhassem as tropas foi um risco,
porém os militares pensavam que
conseguiriam que "boas imagens" do campo de batalha fossem mostradas, como aquelas em
que as forças da coalizão distribuíam ajuda humanitária a civis
iraquianos, no sul do país.
Creio, portanto, que o governo
dos EUA não tenha precisado fazer pressão sobre as redes de TV
para que as imagens mais chocantes não fossem exibidas.
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