São Paulo, sábado, 05 de abril de 2008

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Reforma agrária polêmica volta à cena no Zimbábue

Em provável segundo turno, Mugabe centrará campanha nas terras tomadas de brancos

Tema divide país em linhas raciais e provocou violência em 2000 após ditador impor via rápida de expropriações, sem pagar compensações

ANDREA MURTA
ENVIADA ESPECIAL A HARARE

FABIO ZANINI
EM HARARE

O regime de Robert Mugabe, 84, começou ontem a dar sinais de que voltará a usar a polêmica sobre a posse da terra como mote principal de campanha num esperado segundo turno no Zimbábue. Os resultados da votação presidencial, há uma semana, não foram divulgados.
Ontem, líderes do grupo dos veteranos da guerra, da base do partido governista Zanu-PF, afirmaram que haverá resistência armada caso ex-proprietários de terras brancos tentem retomar suas fazendas -algo que vem sendo sugerido em caso de vitória do opositor MDC (Movimento pela Mudança Democrática). "Não permitiremos que seja revertida essa conquista do movimento de libertação", disse à Folha Christopher Mutsvangwa.
O tema divide o país em linhas raciais e já foi usado em 2002 por Mugabe, em sua última eleição, marcada pela violência. A disputa opõe os chamados "veteranos da guerra de independência" e fazendeiros brancos, que detinham 37,5% de toda a terra do país, segundo a associação de ex-proprietários Justiça para a Agricultura.
Em 2000, Mugabe perdeu um referendo constitucional que previa expropriações sem indenização; ainda assim, iniciou uma reforma agrária por "via rápida", retirando as terras dos brancos sem compensação e oferendo-a aos negros.
"Ninguém discute a necessidade de reforma agrária", afirma John Worsley-Warrick, 51, expropriado de sua fazenda em 2002 e presidente do grupo, quase exclusivamente branco. "Mas não foram seguidas as leis do país, muito menos as internacionais." Ele diz que foram tomadas sem compensação 6.800 propriedades; 4.000 fazendeiros foram expulsos.
"Mais de 50% deixaram a África, e 18 foram assassinados."
A associação afirma que a maioria das terras expropriadas havia sido adquirida depois de 1980 -ano da independência-, contrariando o argumento de Mugabe de correção de injustiças coloniais. Agora, os associados querem compensações ou as terras de volta e prometem levar a demanda a tribunais internacionais.

Direitos humanos
Para Rangu Nvamurunsira, advogado de trabalhadores rurais e negro, a questão da terra é também de direitos humanos. "Não foram só os brancos que sofreram. Milhares de trabalhadores negros das fazendas foram expulsos e agredidos. Não têm como sobreviver."
A reforma de Mugabe é citada pela oposição como gênese da crise econômica do país, sob inflação de 100.000% ao ano. Terras produtivas foram dadas a pessoas sem experiência, fazendo ruir a produção.
Para o governo, o problema é a "vingança" britânica contra a tomada de terras. "Não conseguimos recuperar a produção de grãos por causa das sanções britânicas", diz Mutsvangwa.
É indiscutível que a agricultura foi arruinada. O tabaco, que compunha 40% do PIB antes da redistribuição, teve queda de 80% na produção. Com o apoio diminuto do governo, as fazendas comerciais estão em grande parte ociosas.
"Minha fazenda está destruída. Não há produção, e a casa está abandonada", disse à Folha Stuart Pattison, 51, que teve a propriedade invadida por veteranos em 2001. "Deram duas semanas para eu sair", diz ele, que hoje vive na Austrália.


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