São Paulo, domingo, 05 de maio de 2002

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Biografia do extremista é igual à de milhões

DA REPORTAGEM LOCAL

Um homem que em duas semanas assistiu a construção de uma inédita "unanimidade republicana" contra sua pessoa tem ao menos o mérito da coragem e de saber apanhar com um certo desprendimento político. Jean-Marie Le Pen, 73, beneficiou-se de uma brecha na divisão das esquerdas e da alta abstenção do primeiro turno para obter uma visibilidade mundial pela qual certamente não esperava. Mas há muitos anos ele já trabalhava para isso.
Os 16,86% dos votos que obteve estavam na lógica da progressão de sua candidatura em disputas anteriores. Em 1974, recebeu 0,7% dos votos. Chegou a 15,1% em 1995. Catalisou o crescimento de uma certa idéia excludente de França que germinava junto a uma minoria que hoje corresponde a um quinto dos franceses.
É justamente onde mora o perigo, segundo a esquerda e a direita tradicionais. A biografia desse bom orador de cabelos grisalhos, casado pela segunda vez, três filhas e nove netos, é parecida com a de milhões de franceses. Nasceu pobre na empobrecida Bretanha, última região do país a se industrializar e a usufruir das comodidades do século 20. Descende de agricultores e pescadores.
Diplomou-se em direito e em ciências políticas pela Universidade de Paris. Ganhou sua primeira projeção como dirigente da federação amadora de rugby. Obteve também certa notoriedade ao coordenar brigadas estudantis que socorreram em 1953 as vítimas de inundações na Holanda.
Le Pen participou das duas aventuras bélicas do colonialismo francês nos anos 50. Foi pára-quedista na Indochina (atual Vietnã), sem combater. Chegou com o uniforme da Legião Estrangeira quando o Exército colonial já havia sido derrotado na decisiva batalha de Dien Bien Phu. Foi em seguida voluntário na Guerra da Argélia. Os independentistas da Frente de Libertação Nacional, ao fim vitoriosos, representavam para a direita francesa um feixe de atributos pejorativos: pregavam o socialismo, rompiam com a lógica da superioridade da civilização do cristão europeu e ainda privariam a metrópole de uma colônia com a qual ela estaria presente nas duas margens do Mediterrâneo.
Aos 27 anos Le Pen se elegeu deputado pelo grupo conservador ligado a Pierre Poujade, xenófobo e nacionalista, partidário de um capitalismo baseado nas pequenas empresas das quais o Estado não "sugaria" o produto do trabalho sob a forma de impostos "abusivos". Seria o primeiro dos três mandatos de deputado -os outros foram em 1948 e 1986.
Le Pen abriu sua própria empresa, uma pequena editora de discos, que imprimia gravações patrióticas ou de fascículos com hinos ou discursos históricos. Ele disse certa vez que não foi dessa atividade que sobreviveu ou por meio da qual comprou sua confortável casa num condomínio em Saint-Cloud, ao lado de Paris e de frente para o rio Sena. Viveu de doações de simpatizantes de seu movimento.
Le Pen rejeita a pecha de racista. Mas é inegável que, por trás do slogan "Os franceses em primeiro lugar", existe um projeto discriminatório de fundo racial.
Em seus comícios, era frequente a afirmação "Eu adoro os estrangeiros", seguida de uma pausa, para a complementação do pensamento: "No país deles".
Uma das características da extrema direita francesa, que nasceu de forma agressiva no século 19 e que nunca deixou de existir no século seguinte, está na crença de que a nação vive sob constante ameaça. É preciso protegê-la da globalização, das instituições européias, dos imigrantes estrangeiros, dos hambúrgueres e de modismos culturais importados.
Le Pen cresceu à custa dessa simplificação. Curiosamente -e são os mapas eleitorais que o demonstram-, em cima de um eleitorado de baixa escolaridade que no passado se orgulhava de votar no Partido Comunista.
Autor de cinco livros, controlador de um partido que possui imprensa regional, colônia de férias para jovens militantes e ramificação sindical na polícia, ele reiterou durante a campanha o projeto de fundar uma "Sexta República" (a França está na quinta, desde 1958), em que temas essenciais à nacionalidade, como a expulsão dos imigrantes, seriam decididos em sucessivos referendos. (JBN)



Texto Anterior: Presidente está há três décadas em evidência
Próximo Texto: Centrismo marca propostas de Chirac
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.