UOL


São Paulo, segunda-feira, 05 de maio de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

PERTO DO FRONT

Soldado do Exército dos EUA, brasileiro relata sua rotina em base no Kuait durante a guerra

"Ruim era acordar com som das sirenes"

LUCIANA COELHO
DA REDAÇÃO

"A maioria das bombas vinha no meio da noite. Ruim era acordar com o som das sirenes." Assim o paulistano Dylan Rios Matz, 28, descreve o período mais tenso que passou em uma base americana no Kuait, durante o ataque anglo-americano ao Iraque. Com dupla cidadania por seu pai ter nascido nos EUA, Matz entrou para o Exército americano seis meses após se mudar para Nova York, em 97.
Pára-quedista do Exército, acabou convocado para a guerra e passou os últimos quatro meses empacotando suprimentos para as tropas no front.
A seguir, trechos da entrevista que ele concedeu por e-mail.

Folha - Como você recebeu a convocação para a guerra?
Dylan Rios Matz -
Eles nos falaram um pouco antes do Natal, mas como no Exército nada é escrito em pedras, duvidei até o dia em que o sargento deu a notícia de que o nosso pelotão seria anexado a uma outra companhia e que era para tirarmos o dia de folga e começarmos a preparar tudo para o posicionamento. Falei com minha mulher e disse que eu não tinha idéia de como falaria isso à minha família. Estava dividido. Queria ir, mas ao mesmo tempo não queria abandonar minha família.

Folha - Qual sua impressão ao desembarcar no Kuait?
Matz -
Minha primeira impressão foi de que um franco-atirador ia me dar um tiro na cabeça assim que eu saísse do avião. Estava cansado da viagem. Não estava entendendo quase nada, a nossa base era muito estranha. Havia vários prédios destruídos e aquele barulho infernal dos caças britânicos.

Folha - Como era o clima antes de começar a guerra?
Matz -
As semanas de espera foram tediosas, e comecei a ficar deprimido. Lembrei-me do meu pai. Uma vez eu perguntei a ele como era a guerra, e ele me disse que era um tédio horrível.
O clima na base era de descontração, uma situação surrealista. Lembra o filme "Apocalipse Now"? A cena em que as mulheres da "Playboy" dão um show no meio do nada? Antes da guerra tínhamos de tudo: boate, filmes, ginásio. As pessoas usavam roupas civis a maior parte do tempo.

Folha - Você e seus companheiros temiam ataques iraquianos?
Matz -
É lógico que a gente temia. Os ataques eram sempre aéreos, não sei quantos mísseis explodiram nos arredores da nossa base. A maioria das bombas vinha no meio da noite. Ruim era acordar com o som das sirenes. Uma vez sonhei que a sirene ia tocar, e, um minuto depois, tocou.

Folha - Como era a rotina na base durante a guerra, o que vocês faziam no tempo livre?
Matz -
Nos momentos de folga, gostava de usar a internet para mandar notícias para minha mãe e para minha esposa ou tirar o atraso do sono. Tudo foi fechado na guerra, a gente só tinha acesso a banheiros, refeitório e computadores.

Folha - Você concorda com a justificativa do presidente Bush para a guerra, de que o Iraque tinha armas de destruição em massa?
Matz -
Não. Centenas de loucos iguais ao Saddam estão espalhados pelo mundo e cada um deles tem a chance de produzir armas químicas. Arrumar uma justificativa é a coisa mais fácil que existe, basta querer. É só fabricar a evidência e convencer as pessoas de que ela existe. A diferença entre tirar Saddam do poder e não qualquer outro é o custo-benefício da operação.



Texto Anterior: Iraque ocupado: EUA querem ajuda para localizar armas
Próximo Texto: Policiais voltam a patrulhar as ruas de Bagdá
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.