São Paulo, quinta-feira, 05 de maio de 2005

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Mandato pode não durar, diz trabalhista

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

Tony Benn, 80, atuou como parlamentar pelo Partido Trabalhista por 50 anos até se aposentar, em 2001. Nas últimas semanas, fez campanha pelo partido em 17 cidades do Reino Unido. Mas, quando o assunto é Tony Blair, o premiê trabalhista que concorre a um terceiro mandato, Benn diz acreditar que os dias do líder no poder estão chegando ao fim.
Ele chegou a ir a Bagdá, em fevereiro de 2003, onde fez uma entrevista com o ex-ditador Saddam Hussein que foi transmitida pela TV britânica. Era uma tentativa de evitar a guerra. Ele acabou se tornando presidente da organização "Stop the war coalition", mas não conseguiu impedir seu país de atacar o Iraque. Agora, diz que a decisão custará caro a Blair que, para ele, o premiê já está "permanentemente prejudicado".
Leia a seguir, trechos da entrevista de Benn à Folha.

 

Folha - O Partido Trabalhista parece caminhar para um terceira vitória amanhã. Mas a popularidade de Tony Blair está em queda. Como o senhor analisa isso?
Tony Benn -
Acho que as conquistas desse governo foram boas. Eles colocaram muito dinheiro em escolas, hospitais, ajudaram os desempregados, mantiveram a taxa de juros baixa, a inflação está baixa. Mais empregos foram criados. Introduziram o salário mínimo. Portanto, fizeram coisas positivas. Mas a guerra no Iraque foi muito impopular.
A razão pela qual fomos para a guerra é muito simples: Bush (George W. Bush, presidente dos EUA) queria o petróleo e queria bases americanas no Iraque e disse a Blair que era o que queria. Blair fingiu que a guerra tinha a ver com armas de destruição em massa, mas não era isso. O primeiro-ministro, portanto, tem estado seriamente desacreditado. Se ele tivesse dito para as pessoas "o Bush quer que me una a ele e sinto que é do interesse nacional britânico ir para a guerra", poderia ter encontrado dificuldade em conseguir uma maioria no Parlamento, mas teria dado uma resposta verdadeira. Mas ele nunca nos falou a verdade. Isso danificou a imagem dele muito e, mesmo que ganhe as eleições, acho que o preço que pagará em termos de credibilidade vai ser muito sério. Ele pode até mesmo não sobreviver.

Folha - Como não sobreviver?
Benn -
Não há uma maquinaria constitucional específica para se livrar de um primeiro-ministro, mas, se ele ganhar e tentar fazer coisas que as pessoas não aceitem, por exemplo, se o Bush atacar o Irã e o Blair apoiá-lo, haverá uma explosão de raiva. E essa é uma forma pela qual ele pode sair.
Ou pode ocorrer também que ele esteja tão impopular que não queira continuar. Você não pode ser um líder se as pessoas não acreditam em você.

Folha - Qual é sua opinião a respeito da transformação do partido Trabalhista nos últimos anos?
Benn -
Quando Blair se tornou líder do Partido Trabalhista, 11 anos atrás, em 1994, ele disse que o "Novo Trabalhismo" era um novo partido político. Ele criou um novo partido dentro do Partido Trabalhista que foi muito influenciado pelas políticas econômicas da senhora Thatcher (Margaret Thatcher, primeira-ministra conservadora entre 1979 e 1990). Quando ele ganhou em 1997, as pessoas queriam uma mudança de governo, mas a cidade de Londres não queria uma mudança de políticas, portanto, apoiaram o Blair. E o "Novo Trabalhismo" é um partido conservador. Privatiza, não dá plenos direitos aos sindicatos, segue a política norte-americana etc.

Folha - O sr. diria que hoje o Partido Trabalhista é social-democrata?
Benn -
O "Novo Trabalhismo" é um partido conservador de centro. Mas o Partido Trabalhista, em si, não mudou muito. Ainda acredita em justiça social, maior igualdade, fim do imperialismo. Acredita em todas as idéias progressistas que estiveram lá no início. Acho que a única razão pela qual o senhor Blair tem sido capaz de manter o partido coeso, sob o controle dele, é o fato de que ele ganha eleições. Mas acho que esse período está caminhando para o fim. Acho que Blair está muito seriamente afetado, permanentemente, prejudicado, pela guerra.

Folha - Mas por que deverá ser reeleito, então?
Benn -
Acho que as pessoas não querem os conservadores. Acho que o Partido Trabalhista, pelo que defende, tem um apelo. Acho que o "Novo Trabalhismo", que reúne Blair e alguns amigos, não é muito popular e que tudo isso vai ficar claro nas eleições.


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