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São Paulo, quinta-feira, 05 de junho de 2003

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ANÁLISE

Ação de Bush e guerra dão alento a plano

ADRIAN HAMILTON
DO "INDEPENDENT"

Depois de todas as esperanças que já se frustraram e as iniciativas que já atolaram no caminho para a paz no Oriente Médio, por que alguém deveria imaginar que as coisas seriam diferentes agora?
O envolvimento do presidente George W. Bush é um fator evidente quando se leva em conta sua relutância prévia em se envolver. Mas a verdade é que, de boa vontade ou a contragosto, todos os presidentes americanos anteriores já tinham sido arrastados para esse mesmo atoleiro. E todos terminaram derrotados pela complexidade da disputa e a profundidade do ódio mútuo.
Tampouco é possível dizer que seja um avanço inusitado o fato de Bush ter conseguido convencer um grupo de Estados árabes "moderados" a apoiar o processo. Arábia Saudita, Jordânia, Bahrein e Egito, os países que Bush levou a Ácaba anteontem, são todos, em essência, clientes dos EUA cuja convocação para apoiar iniciativas dessa natureza já é de praxe. Os países que fariam a diferença -Líbano, Síria e, embora mais distante, Irã- não estavam presentes. Eles ainda se mantêm em silêncio. Ou em terror.
Nem mesmo os gestos conciliadores vindos do direitista premiê israelense, Ariel Sharon, diferem significativamente dos que foram vistos antes. Quase toda vez que Washington deu início a conversações de paz, foi com ex-generais, como Yitzhak Shamir e Yitzhak Rabin, saudados como homens que tinham a autoridade de batalha necessária para convencer a direita israelense a aderir. Até agora, Sharon cedeu pouco além do que já havia se mostrado disposto a ceder.
Não, a verdadeira diferença, agora, é a mais óbvia. O presidente dos EUA se engajou após vencer uma guerra no Iraque que retirou do cenário um dos maiores inimigos de Israel, uma guerra que foi travada explicitamente para redesenhar o mapa de segurança de todo o Oriente Médio. Os presidentes americanos anteriores, especialmente o pai do atual, exerceram pressão sobre Israel. Mas nenhum deles pôde discutir a paz contando com uma transformação regional. É isso que dá uma oportunidade única a Bush.
Como o premiê Tony Blair fez questão de observar ontem, o progresso já superou de longe o que previam os "cínicos" -ou realistas, tratando-se de Oriente Médio. Mas a observação é perfeitamente válida. Se a caricatura de Bush vem sendo a de um homem dominado pelos neoconservadores e em conluio com a direita israelense, que só quer se envolver na região para proteger Israel, seu roteiro nesta semana surpreendeu por ser tão diferente dela.
O problema de Bush, entretanto, não é que deveríamos duvidar de sua palavra. Os últimos 12 meses mostraram que o que ele diz, desde o discurso sobre o "eixo do mal" até suas declarações sobre "mudança de regime", é o que ele quer dizer. O problema é determinar para onde ele vai com suas declarações. Tendo resolvido a questão iraquiana, ele vê a questão palestina como o próximo obstáculo à paz regional.
As concessões mais difíceis -desmontar as colônias estabelecidas desde 1967, dividir Jerusalém como capital, negociar qualquer retorno dos refugiados- poderiam ser adiadas com segurança. A primeira fase do plano seria o bastante, por enquanto. Os palestinos não estão em condições de rejeitá-la, e não é do interesse de Israel fazê-lo. Além disso, ambas as populações se beneficiariam de uma pausa no terror.
Quanto a Bush, nas eleições presidenciais do próximo ano ele poderia apresentar o que fez como avanço inovador. E, se tudo desse errado depois disso, ele teria dado o melhor de si e feito muito para melhorar a segurança de Israel.
Um caminho conduz à paz possível. O outro, a um processo que vai derrapar assim que as eleições presidenciais ganharem impulso e o processo teoricamente passar para a fase seguinte. Um conduz a um Estado palestino viável. O outro, a mais uma traição à causa palestina.


Tradução de Clara Allain


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