São Paulo, domingo, 05 de setembro de 2004

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REINO UNIDO

Multiplicam-se casos em que a mídia e grupos muçulmanos se digladiam, com acusações de preconceito e agressão

Imprensa britânica e islã batem de frente

ÉRICA FRAGA
DE LONDRES

O Reino Unido tem assistido nos últimos dias a uma crescente onda de conflitos entre grupos que representam muçulmanos e alguns setores da mídia. O capítulo mais recente desse confronto foi a demissão, na última semana, de um assessor de imprensa do British Council acusado de ter sido o autor de artigos ofensivos à comunidade islâmica publicados pelo jornal "Sunday Telegraph".
Harry Cummins, funcionário do British Council -braço do governo cuja principal missão é promover a integração do Reino Unido com outros países-, havia sido apontado, há duas semanas, por uma reportagem do jornal "The Guardian" como o homem que se escondeu atrás do pseudônimo de "Will Cummins".
Um desses artigos diz que "todos os muçulmanos, como todos os cachorros, compartilham certas características". Outro afirma que "é ao coração negro do islã, não à sua face negra, que milhões se opõem".
A notícia caiu como uma bomba no British Council, que acaba de apoiar a publicação de uma cartilha cujo objetivo é fornecer a jornalistas informações sobre o islã e comunidades islâmicas no Reino Unido a fim de "evitar comentários ignorantes sobre muçulmanos". Na última quinta-feira, a instituição anunciou que Cummins havia sido demitido.
O "Sunday Telegraph" não quis comentar o assunto. Cummins- que nega ter sido o autor dos artigos- não foi localizado.

Outros casos
O caso chamou a atenção devido à virulência dos artigos. Mas conflitos entre a mídia e os muçulmanos não têm sido incomuns no Reino Unido. Segundo especialistas, a maioria das situações em que há sinais de racismo ou do que os muçulmanos chamam de "islamofobia" foram registrados, até agora, em tablóides.
"Essa tendência existe, mas seria absolutamente errado afirmar que é generalizada. Esse tipo de racismo se restringe a alguns jornais populares que acham que representam a média da população inglesa contra os "invasores", diz Angela Phillips, professora do Goldsmiths College e colaboradora do "Guardian". Ela diz que, embora o racismo seja preocupante, a ocorrência de reações de repúdio, como a do British Council, são um bom sinal.

Racismo
O jornalista Tim Gopsill, do sindicato dos jornalistas, diz que "sem dúvida há racismo na mídia britânica contra minorias étnicas", mas diz também que o problema é mais localizado no que chama de "imprensa popular".
As organizações que representam muçulmanos, no entanto, dizem que o problema inclui, além dos tablóides, veículos de direita.
"Antes do 11 de Setembro, a mídia dava muito espaço para os extremistas que nunca representaram a maioria dos muçulmanos. Depois, passou a querer nos colocar na mesma caixa dos extremistas", diz Amas Altikriti, da Muslim Association of Britain (MAB).
Ao mesmo tempo em que afirmam que são vítimas de "islamofobia" por parte de alguns órgãos de imprensa, as organizações de muçulmanos também são acusadas de racismo por esses veículos.
Ao longo do mês passado, por exemplo, a MAB se envolveu em uma polêmica com o jornalista Anthony Browne, do "Times", que afirmou, em um artigo, que a organização tem preconceito contra os judeus.
Disse ainda que a MAB possui vínculos com grupos e pessoas ligadas ao terror.
Altikriti se defende dizendo que a organização não é contra judeus. "Ser contra os judeus seria o mesmo que ser contra o islã, porque nós os consideramos como nós mesmos. Há, inclusive, judeus que trabalham conosco". Admite, no entanto, que a MAB é "anti-Israel". "Isso nós nunca negamos", afirma.
Em relação ao terrorismo, ele diz o seguinte: "Uma coisa crucial em qualquer sociedade é que exista um nível básico de confiança entre as pessoas. Se eu digo que somos contra o terrorismo e não acreditam em mim, o que eu posso fazer para convencer as pessoas?", pergunta.

Liberdade de imprensa
De forma geral, os jornalistas envolvidos em polêmicas se defendem afirmando que estão apenas exercendo sua liberdade de imprensa.
Segundo Stephen Abell, diretor-assistente da Press Complaints Commission-organização encarregada de arbitrar reclamações contra a imprensa-, o código de ética da profissão no país diz que os jornalistas são livres para emitir sua opinião desde que não forneçam informações erradas.
Para Shareefa Fulht, da Muslim Youth Helpline -serviço de orientação a jovens muçulmanos-, há, de fato, críticas crescentes da mídia contra muçulmanos. Porém, diz ela, "é isso o que se tem numa sociedade livre".


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