São Paulo, sexta-feira, 05 de outubro de 2007

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Viúva e filhos de Pinochet são presos

Para juiz, parentes de ditador chileno participaram de desvio de verbas que teria originado a fortuna da família, de US$ 27 mi

Justiça também ordenou a prisão de mais 17 pessoas, entre elas dois generais da reserva, dois coronéis e advogados de Pinochet

FLÁVIA MARREIRO
DA REDAÇÃO

O juiz chileno Carlos Cerda ordenou ontem a prisão da viúva do ditador Augusto Pinochet, Lucía Hiriart, e dos cinco filhos do casal, acusados de malversação de dinheiro público no inquérito que apura a origem dos cerca de US$ 27 milhões mantidos pela família em contas bancárias no exterior.
Outras 17 pessoas, entre elas dois coronéis da ativa e 11 militares da reserva, também tiveram a ordem de prisão decretada, sob a mesma acusação.
O grupo de colaboradores de Pinochet, morto em dezembro passado, inclui sua ex-secretária particular, ex-advogados, dois generais da reserva e um ex-procurador-geral do Estado. Todos os detidos são também agora réus na ação.
"Há presunções fundamentadas, também justificadas na resolução, no sentido de que essas pessoas, que são parentes de Augusto Pinochet Ugarte, que em paz descanse, tiveram participação neste delito [desvio de dinheiro público]", disse o juiz, ao divulgar sua decisão.
Ao ser informada da prisão, Lúcia Hiriart, 84, sofreu alteração de pressão arterial e foi levada a um hospital militar, informou o advogado da família. De todo modo, pela idade, ela deve ficar em prisão domiciliar.
Os cinco filhos de Pinochet -Augusto, Lucía, Marco Antonio, Jacqueline e Verónica-, detidos provisoriamente em um prédio da Polícia de Investigações, foram levados à tarde para presídios. O traslado foi transmitido por TVs locais.
Questionada sobre o caso, a presidente chilena, Michelle Bachelet, disse ontem que as detenções demonstram que "ninguém no Chile pode acreditar que está acima da lei".
O governo informou que os dois coronéis da ativa presos -um deles foi secretário particular de Pinochet- não foram desligados automaticamente do Exército porque são inocentes até serem julgados.

Caso Riggs
A ação que originou as detenções é o chamado caso Riggs, que investiga a origem da fortuna dos Pinochet distribuída em contas bancárias secretas nos EUA. Auditoria revelou que o banco americano Riggs o havia ajudado a criar empresas fantasmas e a alterar, usando passaportes falsos, os nomes de contas suas e de sua família.
Em julho de 2004, o Senado dos EUA informou que, entre 1994 e 2002, o general havia mantido escondidos no Riggs US$ 8 milhões. Até então, apesar das acusações de homicídio e seqüestro, a idoneidade financeira do general não havia sido questionada no Chile. Hoje, estima-se que esses depósitos somem US$ 27 milhões.
Segundo a investigação judicial, as verbas foram desviadas da chamada Casa Militar, espécie de gabinete ministerial militar paralelo que funcionou durante os últimos anos do regime Pinochet (1973-1990). Com o fim do governo, seguiu funcionando como "clube".
O advogado da família, Pablo Rodríguez Grez, classificou as prisões como arbitrárias e informou que irá pedir a anulação do ação. A defesa diz que o dinheiro é fruto de doações, economias e rendimentos.
Não é a primeira vez que a Justiça detém integrantes do clã Pinochet, que já foram acusados de sonegação fiscal e falsidade ideológica. Em janeiro de 2006, Lucía Hiriart e quatro de seus filhos foram detidos. À época, a mais velha, Lucía, se disse perseguida política e tentou, sem sucesso, obter asilo nos Estados Unidos.
A novela jurídica deve ser longa. Um dos motivos é que a defesa acusa o juiz Cerda de não ser neutro -ele ficou afastado do caso por um ano por esse motivo. Há também decisões anteriores favoráveis aos réus.

Imagem de Pinochet
Para o analista político chileno Patrício Navia, o desdobrar de ontem do caso Riggs demonstra que "a Justiça avança mais fácil em temas de corrupção e enriquecimento ilícito de ex-ditadores do que em violações de direitos humanos".
Pinochet morreu sem ter sido julgado pelas dezenas de mortes e "desaparecimentos" pelos quais era acusado.
"A imagem pública que ficará de Pinochet é uma questão para os historiadores, mas a transformação de sua família em ré contribui para destruir a imagem de ditador bem-intencionado", completa Navia.
"As violações de direitos humanos muitas vezes são justificados como "excessos", mas corrupção é mais difícil de justificar, porque, além de tudo, leva tempo para planejar", diz.


Com agências internacionais

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