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Crise faz deposto perder apoio camponês
Produtores e comerciantes eleitores de Zelaya reclamam de queda nas vendas; "dinheiro não circula", diz verdureiro
Impasse hondurenho gera pressão dos dois lados por um acordo; vizinhos da embaixada padecem restrições na vida cotidiana
DA ENVIADA ESPECIAL A TEGUCIGALPA
O prolongamento da crise
política em Honduras tem custado ao presidente deposto Manoel Zelaya parte do apoio popular do campesinato. Atingidos pela retração econômica de
2008, muitos pequenos produtores dizem enfrentar hoje uma
situação ainda mais drástica,
que classificam como "a pior
crise da história do país".
O presidente golpista Roberto Micheletti também sente a
pressão para um acordo político, vinda de empresários preocupados com as perdas econômicas. A estimativa é de que o
país tenha perdido o equivalente a 6% do seu PIB.
A Folha ouviu produtores
rurais que vivem da venda de
produtos na maior feira da capital. No mercado de Mayoreo,
os comerciantes acusam perdas em torno de 60%. Pablo
Varella, 57, vende um dos principais alimentos dos hondurenhos, feijões. O preço de um
pacote de cinco libras, diz ele,
caiu de 50 para 38 lempiras.
"Não cobre mais meus gastos."
Guillermo Hernández, 82,
que há 28 vende verduras na
capital, diz que a situação no
campo reflete a queda do consumo na cidade. "O dinheiro
não circula, as pessoas cortaram gastos até na comida."
Varella e Hernández, eleitores de Zelaya, se dizem decepcionados. Ainda lembram das
políticas populares do deposto,
como subsídios à energia elétrica e os aumentos no salário
mínimo, mas criticam sua "sede de poder". "Mel [apelido de
Zelaya] esqueceu que sua insistência afeta o campesinato. Ele
precisa levar isso em conta
quando negociar o fim da crise", diz Hernández.
Os shopping centers, reduto
da classe média alta, na qual
Micheletti tem mais apoio, vivem um renascimento com o
fim do toque de recolher.
"Quando tínhamos de fechar às
18h, perdíamos a maioria dos
clientes, que vinham depois do
trabalho", conta a gerente de
uma loja em Las Cascadas. Segundo ela, os últimos dias foram de recuperação.
No turismo, onde as perdas
são estimadas em ao menos
40%, a crise é ainda forte. "Só
nos recuperaremos depois que
a calma tiver se estabelecido e
tivermos um novo presidente",
diz Afonso Cervejon, dono de
uma agência de viagens.
Também afetados pela crise
-mas aquela iniciada com a
volta de Zelaya ao país, em 21
de setembro-, os moradores
do pacato bairro de classe média alta Colônia Palmira tiveram a vida transformada em
uma intrincada rotina burocrática. Vizinhos da embaixada
brasileira, eles estão a poucos
metros do presidente deposto.
Mais de 400 policiais e soldados fecham a área de aproximadamente 200 metros em
torno da embaixada. Ali ninguém entra ou sai sem uma minuciosa revista. Só moradores,
alguns diplomatas e funcionários do governo têm passe livre.
Convidados, nem pensar.
As poucas empresas ali fecharam ou trabalham em tempo reduzido. Do lado de fora da
trincheira, lê-se em uma janela
os dizeres "serviço de buffet".
Maria Gutierrez, dona do negócio, fechou as portas temporariamente: ninguém consegue
buscar as encomendas.
Cármen Valladares diz que
tenta seguir um ritmo normal.
Nem as baladas noturnas não
foram eliminadas.
Manuel Galdéz reclama do
barulho que vem da sede brasileira. "Música, conversas, às vezes parece que é uma festa",
diz. Ele relata que muitos vizinhos decidiram abandonar o
local até que a situação se normalize.
Por outro lado, Palmira se
tornou o metro quadrado mais
bem resguardado de Honduras. "Posso deixar a porta aberta", diz Gilda Odoñe, 62.
(ANA FLOR)
Leia mais sobre o
cotidiano na embaixada
brasileira no blog do
enviado especial da Folha
a Tegucigalpa, Fabiano
Maisonnave
www.folha.com.br/0927321
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