São Paulo, quinta-feira, 05 de dezembro de 2002

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RELIGIÃO

Documentos indicam que a Arquidiocese de Boston ocultou casos de abusos sexuais e uso de cocaína por padres

Arquivos expõem sexo e drogas na igreja

KEN MAGUIRE
DA ASSOCIATED PRESS, EM BOSTON

Milhares de arquivos tornados públicos mostram que a Arquidiocese de Boston ocultou casos de padres acusados de abusos, incluindo clérigos que cheiraram cocaína e tiveram sexo com meninas que queriam ser freiras.
A primeira leva de documentos -cerca de 3.000 páginas relativas a oito padres católicos- foi aberta ao público anteontem, por ordem da Suprema Corte. Os documentos já tinham sido vistos pelos advogados das vítimas.
Muitos dos padres cujos arquivos foram divulgados não estão entre os 400 clérigos citados nas dezenas de processos abertos na Justiça contra a arquidiocese -que estuda pedir falência para se proteger das ações, que podem resultar em indenizações cujo total superaria US$ 100 milhões.
Os advogados dos querelantes esperam que os documentos mostrem que a arquidiocese tinha o costume de transferir padres para outras paróquias, mesmo depois de eles terem sido acusados de abuso de crianças e jovens.
Os arquivos expõem o caso de dois padres que, transferidos para outras paróquias após terem abusado de crianças, tornaram a cometer o crime. "Não há nenhuma outra arquidiocese em que a extensão do problema tenha sido identificada com tanta clareza", disse David Clohessy, diretor nacional da Rede de Sobreviventes dos Abusados por Padres.
"Algumas das informações contidas nesses documentos são realmente terríveis", disse a porta-voz da arquidiocese, Donna Morrissey. "Estamos determinados a ajudar as vítimas."

"Encarnação de Cristo"
No final dos anos 60, o padre Robert Meffan teria recrutado meninas para se tornarem freiras e depois abusado sexualmente delas. A acusação está em cartas escritas em 1993 pela irmã Catherine Mulkerrin a seu chefe, o padre John McCormack, um dos principais auxiliares do cardeal Bernard Law, responsável pela Arquidiocese de Boston.
De acordo com o memorando de 1993, uma das garotas contou à irmã Mulkerrin que Meffan praticava atos sexuais com quatro meninas num quarto alugado. Intitulando-se "a segunda encarnação de Cristo", Meffan "fazia tudo", menos a penetração, porque dizia que isso era algo reservado para "a vida após a morte".
Uma mulher contou que Meffan ""sugeria a ela que imaginasse Cristo tocando-a, beijando-a e tendo relações sexuais com ela", segundo os registros da igreja. "Elas eram todas moças jovens que pretendiam tornar-se freiras", disse o advogado Roderick MacLeish Jr., que representa 247 vítimas de padres.
Meffan confirmou ao "Boston Globe" o teor dos documentos e disse que ainda acredita que os relacionamentos sexuais que mantinha com as meninas fossem "lindos" e "espirituais", afirmando que sua intenção era aproximá-las de Deus. "Eu estava tentando mostrar a elas que Cristo é humano e que ele deve ser amado como ser humano", disse Meffan. "Achei que o fato de ter essa intimidade com elas seria semelhante ao que elas teriam com Cristo."

Caso amoroso
O padre Thomas Forry teria construído uma casa em Cape Cod para uma mulher com quem manteve um caso que durou 11 anos, como mostram os documentos. A mulher o procurara pedindo conselhos porque tinha problemas em seu casamento. Mais tarde, o filho dela afirmou que Forry tentou abordá-lo sexualmente.
Um outro memorando da irmã Mulkerrin, de 1992, apresentou o histórico das acusações contra Forry. Sete anos mais tarde, o cardeal Law transferiu Forry para o trabalho de padre substituto. Ele não foi encontrado para comentar as acusações.

Cocaína
O padre Richard Buntel, que trabalhou em Malden, Massachusetts, entre 1978 e 1983, teria feito sexo com meninos e consumido cocaína com eles. Segundo um memorando da irmã Mulkerrin, uma suposta vítima lhe contou que Buntel lhe fornecia cocaína quando ele tinha apenas 15 anos. ""Ele cheirava cocaína na sala dos padres cada vez que o garoto ia lá, e, de certo modo, a cocaína parecia ser dada ao menino em troca do sexo", escreveu Mulkerrin.
Neste ano, Buntel estava num cargo não-sacerdotal, na paróquia St. Thomas de Villanova, em Wilmington. Ele também não foi localizado para falar da acusação.


Tradução de Clara Allain


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